Imposto como solução para reduzir consumo de carne?
18 de outubro de 2018Apesar das advertências sobre o impacto catastrófico da indústria da carne sobre o clima global, para muitos consumidores é simplesmente difícil demais abandonar seus hábitos carnívoros – se é que sequer querem abandoná-los. Sendo a carne tão barata em tantos países, há menos incentivo ainda para se tentar.
No entanto, os preços nas prateleiras dos supermercados mascaram custos ocultos. Diferentes pesquisas mostram que a carne está sendo vendida aos consumidores a apenas uma fração do que deveria custar se fosse devidamente computado o valor verdadeiro dos danos ambientais que implica.
Como seria se os governos taxassem o produto, a fim de encorajar os cidadãos a alterarem suas dietas? Muitas nações aplicam um "imposto do pecado" sobre produtos considerados nocivos à sociedade, como álcool e tabaco. Então, a etiqueta na carne não deveria também refletir seu verdadeiro custo ambiental?
As indústrias de carne e laticínios estão a caminho de se transformar nas maiores contribuidoras para a mudança climática, superando até mesmo a de combustíveis fósseis. De acordo com uma análise do Instituto de Política Agrária e Comercial e da ONG GRAIN, até 2050 o setor pecuário mundial pode ser responsável por 80% das emissões carbônicas permissíveis.
O impacto da carne foi ainda mais acentuado num recente estudo de grande escala, segundo o qual uma redução radical do consumo de carne será crucial para evitar uma mudança climática devastadora.
Outro estudo abrangente, publicado pela revista Nature, indicou que os países ocidentais deveriam cortar o consumo bovino em 90%, a fim de manter o aquecimento global abaixo de 2ºC em relação às temperaturas pré-industriais. Para tal se deveria adotar, em nível mundial, uma dieta "flexitária", ou seja, baseada em vegetais, com carne só em raras ocasiões.
Os autores defendem a introdução de um imposto sobre a carne como estratégia para reduzir seu consumo. Considerando-se o volume consumido no Ocidente, porém, isso não será fácil. Na Alemanha, por exemplo, cada cidadão come, em média, 60 quilos de carne por ano.
Katrin Wenz, consultora agrária da Amigos da Terra Alemanha (BUND), diz haver a existência de duas tendências paralelas: de um lado, a redução de consumo em muitas regiões, de outro, o inverso.
"Temos um grupo populacional nem tão pequeno assim, de alguns pontos percentuais, no qual a tendência é comer muita carne." Trata-se, principalmente, de homens que exercem muita atividade física e acreditam necessitar de grande quantidade de proteína animal. "Há um consenso crescente de que a pecuária precisa ser reformada, e talvez eles pensem: 'Vou simplesmente fazer o que eu quero.'"
Wenz afirma que em toda a Europa "a carne é barata demais, e isso tem a ver com a importação de rações animais muito baratas da América do Sul". Além disso, há anos as associações de fazendeiros vêm incentivando seus membros a produzirem mais, o que resultou numa queda dos preços, sobretudo da carne suína, após décadas de dumping sistemático. "Não produzimos um produto de alta qualidade, mas sim barato, para o mercado global", critica a consultora.
Como revelou um grupo de pesquisadores da Universidade de Augsburg, os preços da carne nos supermercados são enganosos, ocultando os gigantescos custos secundários do impacto ambiental pela produção do produto. Considerado esse fator, eles concluíram que a carne de criação convencional deveria custar três vezes o preço atual, ou 196% a mais. No caso da criação orgânica, os custos escondidos acrescentam 82% sobre o preço de prateleira.
Esses custos adicionais provêm de três fatores da produção pecuária: a poluição decorrente do emprego de fertilizantes nitrogenados, emissões de gases-estufa e gasto de energia. Esse ônus ambiental não é óbvio. Ele leva em consideração, por exemplo, o que os fornecedores de água investem em sistemas de filtragem para remover da água potável os nitratos originários da agropecuária.
Esses custos são arcados pelo consumidor, só que não no preço da carne, mas nas suas contas mensais. O problema é que atualmente eles não têm um preço de mercado, aponta Tobias Gaugler, um dos autores do estudo. "Os custos ambientais, a poluição e os danos resultantes à saúde humana têm custo zero." De um ponto de vista puramente econômico, isso redunda numa "distorção mercadológica", com preços que "não refletem a realidade".
Já há quem seja a favor de um "imposto da carne" como forma de refletir o verdadeiro custo do produto e, ao mesmo tempo, encorajar os cidadãos a reduzirem seu consumo. Entre os defensores da ideia está o grupo Farm Animal Investment Risk and Return (Fairr).
Gaugler, por sua vez, não está convencido. "Esse passo não seria politicamente viável", pois, embora o imposto seja justificável, falta a vontade política para aplicá-lo. "Porque as pessoas pensam: 'Ei, eu vou ter que pagar ainda mais por algo', e a sociedade não aceitaria."
Em vez disso, o coautor do estudo propõe que a conta seja apresentada bem mais cedo na cadeia de produção – por exemplo, aos produtores de fertilizantes –, em vez de fazê-la recair diretamente sobre o consumidor. "Nossa esperança é mudar toda a estrutura do mercado, de forma que a produção animal em massa se torne mais cara – não por determinação dos políticos, mas porque a estrutura do mercado faz isso acontecer."
Falando ao jornal TAZ, a ministra da Alimentação e Agricultura da Alemanha, Julia Klöckner, recentemente confirmou que o governo alemão não planeja elevar o atual IVA sobre os produtos de carne dos atuais 7% para 19%, argumentando: "A carne não deve ser só para os que ganham mais."
Katrin Wenz, da BUND, também se opõe a um "imposto do pecado". Para ela, os esforços pela redução do consumo de carne deveriam se concentrar na informação aos consumidores, a fim de auxiliar um processo de decisão esclarecido; a disponibilização de mais opções vegetarianas a preços reduzidos nas cantinas; assim como um sistema de etiquetagem mais claro para os produtos de carne.
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