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Condenação unânime

Agências (rw/av)2 de fevereiro de 2009

Após ofender muçulmanos, protestantes, judeus e homossexuais, Bento 16 causa polêmica dentro da própria Igreja com uma decisão de pessoal. Jornais europeus criticam unanimemente o Papa e apontam tendência sectarista.

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Foto: picture-alliance/ dpa

Após a reabilitação, na semana passada, de um bispo britânico que nega o Holocausto, o papa Bento 16 está sendo criticado na Alemanha também pela nomeação, no sábado (31/01), do ultraconservador Gerhard Maria Wagner, de 54 anos, como bispo auxiliar da cidade austríaca de Linz.

A decisão foi criticada pelo ex-presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, cardeal Karl Lehmann, que pediu uma "maior sensibilidade política" do Vaticano. Wagner, de 54 anos, tornou-se conhecido por declarações polêmicas.

Ele havia feito advertências contra os livros da série Harry Potter, que segundo ele conteriam "satanismo". O furacão Katrina, que destruiu a cidade norte-americana de Nova Orleans em 2005, foi considerado por ele "punição divina para uma cidade imoral". E, ainda segundo Wagner, não teria sido acaso a destruição de cinco clínicas onde eram realizados abortos.

A nomeação foi comentada pelo movimento liberal "Nós somos Igreja" como sendo "a gota d'água". Segundo a imprensa austríaca, a nomeação não teria sido combinada com os futuros chefes de Wagner, o bispo da diocese de Linz, Ludwig Schwarz, nem com o cardeal Christoph Schönborn.

Vaticano se despede da modernidade

Com unanimidade quase surpreendente, a imprensa europeia criticou o novo episódio de reacionarismo e falta de sensibilidade papal.

Papst Benedikt XVI spendet den Segen Urbi et Orbi
Papa aciona forças ultraconservadorasFoto: AP

O jornal Westdeutsche Zeitung, de Düsseldorf, se perguntou: "O que se passa na cabeça do Papa? Na realidade, no caso da celeuma em torno de Williamson tratou-se, admitamos, de um 'acidente de trabalho', pois foi somente após a reabilitação que ele negou o extermínio de milhões de judeus nas câmaras de gás [dos nazistas]. Entretanto as decisões do Pontífice sobre pessoal obedecem a uma sistemática interna. Ao se voltar para as forças ultraconservadoras, ele marca um afastamento em relação ao Segundo Concílio do Vaticano (1962-1965), o qual abriu a Igreja para o mundo moderno. Com seu curso antimoderno, Bento [16] já melindrou muçulmanos, protestantes, judeus e homossexuais. Agora ele irrita a própria Igreja. Pois bispos, padres e paroquianos desejam uma fé humilde. Uma fé que seja tolerante e aberta ao mundo."

O Rheinpfalz comentou assim a crítica ao Papa: "O desejo de reconciliação do Papa, mais forte do que tudo, e a incapacidade de seus cardeais responsáveis de se informarem de antemão, provocaram um dano imenso à imagem, não apenas de Bento, como também do papado e da Igreja Católica. Dano quase irreparável, não importa como os bispos se empenhem em minorá-lo. O que acontece se os ultraconservadores continuarem rejeitando as Reformas do Segundo Concílio do Vaticano, não querendo o ecumenismo, a liberdade religiosa? Serão eles então novamente excomungados da Igreja Católica?"

De volta às catacumbas?

O periódico conservador austríaco Die Presse detecta um movimento da Igreja Católica em direção ao sectarismo. "Joseph Ratzinger é um teólogo brilhante, escreve sermões grandiosos e, sem dúvida, dispõe de carisma. E sob sua liderança a Igreja Católica está se transformando numa espécie de comunidade sectária. Suas investidas contra o 'relativismo', sua 'reconciliação' com os herdeiros do cismático pré-conciliar Lefebvre e, não menos importante, a nomeação de Gerhard Maria Wagner como novo bispo auxiliar de Linz, seguem uma concepção claramente reconhecível: o rebanho pequeno, guardado com rigor, inatingível pelo mundo lá fora, por sua multidimensionalidade e plurivalência, seu colorido e sua diversidade de ofertas. O resultado deverá ser uma Igreja dos 100% católicos, a conspirativa comunidade catacumbal dos impiedosamente bons."

O liberal Der Standard, também da Áustria, confirma este ponto de vista. A Igreja de Bento 16 colocaria a fé e o dogma à frente da humanidade, numa terapia contra o "relativismo" de nosso tempo que pode trazer graves consequências. "Pois em nome da fé não se cometeram apenas crimes tremendos; muitos ditadores (na Europa, por último [o espanhol Francisco] Franco) foram considerados bons católicos pelo Vaticano. É verdade que o Papa condenou as declarações sobre o extermínio dos judeus. Para ele é mais importante a unidade da Igreja em nome da fé – em segundo plano ficam as declarações 'políticas', como as de decididos negadores do Holocausto."

O francês Libération descreve a situação no país em tom sarcástico. "Os bispos franceses defendem o Papa sem grande convicção. Eles lembram a generosidade que se deve mostrar para com as ovelhas perdidas. Chato é que essas ovelhas têm, muitas vezes, o pelo marrom bem escuro. Nostálgicos, que sentem saudades do marechal Pétain [chefe de Estado da França durante Segunda Guerra Mundial, colaborou com os nazistas], antissemitas mal disfarçados, gente que odeia a modernidade democrática. Não se trata de uma seita folclorista, mas sim, em essência, de um somatório de tradicionalistas, mancomunados com a extrema direita."