Cautela e ceticismo
8 de maio de 2008A posse de Dimitri Medvedev como novo presidente russo e a inevitável nomeação de Vladimir Putin como primeiro-ministro levam a imprensa européia a especular sobre o futuro da Rússia. O tom cético é praticamente unânime: ou o presidente se curva ao chefe de governo ou o racha terá conseqüências imprevisíveis, não se excluindo um retorno de Putin ao leme do país.
O diário alemão Stuttgarter Zeitung enumera assim as possibilidades:
"Premiê e presidente podem se alternar no jogo e cooperar amigavelmente. Medvedev pode terminar como marionete, enquanto Putin aciona os fios aberta ou disfarçadamente. Ou os dois homens se perdem em pequenas guerras que paralisam o país. Isto é o pior que poderia acontecer com a Rússia. Mesmo que muitos russos estejam melhor após os oito anos de mandato de Putin, o país continua diante de uma gigantesca montanha de problemas. Estes só serão resolvidos se a cúpula do Estado cooperar, da forma prevista antes da [atual] festa de passagem de poder."
O tom do Rheinische Post é cético:
"Vladimir Putin transferiu seu cargo, mas, e quanto a seu poder? Hoje mesmo Putin deverá assumir o posto de chefe do governo e todos partem do princípio de que sua influência sobre a política russa permanecerá forte. Oficialmente Putin e o pupilo Medvedev asseguraram que partilharão as prerrogativas do poder, mas ninguém sabe como este aparato funcionará. As estruturas de poder da Rússia são tradicionalmente destinadas a um líder forte. [...] A escolha de Medvedev já sugere que Putin pretende dirigir o chefe do Kremlin a partir do assento de trás. Senão, teria se decidido pelo ex-ministro da Defesa e linha dura Serguei Ivanov. Medvedev dá a impressão de ser frágil e manipulável, há quem o considere psicologicamente dependente de Putin."
Para o Süddeutsche Zeitung a posse do novo presidente da Rússia esteve plena de metáforas e presságios:
"Esta imagem deverá representar simbolicamente a futura repartição de poder no topo do Estado russo. [...] Enquanto os soldados passam marchando em uniformes históricos, Putin, com sua longa experiência protocolar, cochicha algo no ouvido do sucessor, o qual reage dando um pequeno passo adiante. A TV estatal fixa em imagem a mensagem: seguindo o princípio de 'dividir e conquistar', Putin continua no centro do poder."
O vienense Kurier está igualmente certo da perpetuação do poder de Putin:
"Com todo o risco que predições políticas envolvem, uma coisa se anuncia: os áugures políticos de Moscou, até agora denominados 'kremlólogos', terão que ampliar seus horizontes. [...] De forma alguma Putin será mero executor das decisões do chefe do Kremlin. Desde já ele reservou para si um ou outro território de poder: o acesso às regiões e o partido de elite Rússia Unida. [...] Quase ninguém acredita numa dupla liderança funcionando livre de fricção, num país que, ainda hoje, clama por um líder forte. Porém de início não se alterará a política da força, interna e externamente. 'Dima' [Medvedev] precisa primeiro chegar à altura de seu papel – na medida em que Putin e os seus o permitirem."
O liberal de esquerda inglês The Independent considera fácil demais ver em Medvedev a marionete de Putin:
"O cargo de presidente russo implica grande acúmulo de poder. Um indício decisivo sobre os rumos futuros será a distribuição dos postos mais importantes no governo. Na Rússia inicia-se uma nova fase do período pós-soviético, porém a cortina da imponente era Putin ainda está longe de cair."
O liberal Der Standard, da Áustria, prevê também dificuldades para o novo primeiro-ministro:
"Medvedev vai precisar de tempo para estabelecer sua autoridade de fato diante das diferentes facções. Putin poderá manter-lhe as costas livres para tal. Caso ele fracasse, contudo, é provável um retorno de Putin. Este também se vê confrontado com a frente oposta. Nos próximos meses medidas antipopulares o aguardam. [...] A insatisfação do povo se dirige tradicionalmente contra o governo, não contra o presidente. Uma queda da elevada quota de popularidade de Putin o enfraqueceria diante da elite dominante."
Segundo o Aftenposten, jornal conservador da Noruega:
"Embora não se deva levar tanto em consideração declarações gerais em um discurso de posse, foi uma admissão a observação [de Medvedev] de que a Rússia atualmente não se encontra entre os melhores países do mundo. O novo homem mencionou, como algumas das causas, o desrespeito à lei, a corrupção, investimentos insuficientes na indústria e na agricultura, assim como direitos deficientes de cidadania e propriedade. [...] As mal definidas relações de poder entre Medvedev e o anterior presidente não oferecem as melhores condições para o êxito do mandato que se inicia."
Por fim, o italiano La Repubblica dirigiu seu olhar para um outro aspecto da atual política do Kremlin:
"Enquanto esperamos em suspense qual será o primeiro passo do 'estranho casal' na regência da Rússia, já se delineia uma novidade na política externa do regime. O furacão de gestos antiocidentais que caracterizou a última parte da presidência de Putin acalmou-se subitamente. Desde o início de março, encerrado o capítulo do pleito presidencial, Moscou manifestou um tom muito mais calmo em relação aos Estados Unidos, à Europa e ao Japão, assim como numerosos sinais de flexibilidade diplomática. Agora entendemos melhor o que Putin tencionava com seus arroubos irados. [...] Tratava-se de jogadas de xadrez, direcionadas em primeira linha à política interna." (av)