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"Improviso de PMs que amarraram homem em SP é inaceitável"

8 de junho de 2023

Policiais envolvidos foram afastados após imobilizar um suspeito de furto com cordas. Imagens têm tom humilhante e degradante, diz sociólogo e coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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PMs durante protesto em São Paulo, em 2016
PMs recebem treinamento para agir nas situações cotidianas, como em protestosFoto: Cris Faga/ZUMAPRESS/picture alliance

As imagens da prisão de um suspeito de furto em São Paulo causaram indignação nas redes sociais e revelam o despreparo dos agentes envolvidos para controlar a situação e evitar a escalada de violência.

O suspeito foi amarrado pelas mãos e pelos pés por policiais militares e arrastado dentro de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Em nota, a Polícia Militar disse que o comportamento dos policiais é incompatível com os procedimentos operacionais da instituição e que os agentes foram afastados.

Para David Marques, sociólogo e coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a situação a qual o homem foi submetido é degradante e o improviso dos policiais ao usar uma corda para contê-lo é inaceitável.

O sociólogo ressalta que o estado de São Paulo vinha apresentando evolução importante no combate à violência policial, em especial após a implementação das câmeras corporais nos uniformes dos agentes em 2020. Desde então, o estado registrou uma queda de mais de 60% no número de mortes decorrentes de intervenções policiais.

Em entrevista à DW, Marques fala sobre a atuação da polícia militar e sobre a falta de transparência nos procedimentos adotados em abordagens.

DW: O que esse caso nos diz sobre violência policial?

David Marques: Vivíamos um momento interessante a partir de meados de 2020 com a redução do principal indicador de violência policial, que é o número de mortes decorrentes de intervenção policial. Uma redução significativa que coincide com a ampliação do programa de câmeras corporais na polícia e outras medidas de controle. Era um sentido positivo de controle do uso da força pela polícia.

Isso está em questão em 2023 porque mudou o governador, o secretário de segurança e o comando da polícia. Agora, não temos mais tanta certeza sobre se a violência policial continuará apresentando redução, se estabilizará ou voltará a aumentar.

De toda forma, o caso é chocante porque os policiais improvisaram a contenção de um suspeito usando corda, o que não é algo comum. Cordas, geralmente, não estão à disposição de policiais para amarrar os braços e pernas de uma pessoa.

As imagens têm um tom humilhante e degradante para o suspeito que está sob custódia. É inaceitável. A própria Polícia Militar emitiu nota dizendo que isso não condiz com o que se espera da atuação de policiais. É um caso lamentável e revoltante.

Qual o procedimento ideal a ser adotado em situações como essa? Como a polícia deve agir?

A polícia militar em São Paulo tem diversos POPs [Procedimento Operacional Padrão]. O problema é que, em situações como essa, não está muito claro o que os policiais devem fazer. Há, do ponto de vista do uso da força, o método Giraldi, que preconiza o uso progressivo da força para fazer cessar uma agressão ou conter uma pessoa que desobedece um comando policial.

É necessário que o policial tenha à disposição equipamentos e ferramentas para que ele possa fazer esse escalonamento do uso da força. Por um lado, deve haver superioridade numérica, ou seja, um número superior de policiais em relação ao número de suspeitos para que se possa ter condições de fazer a contenção sem maiores problemas.

Além disso, os policiais devem ter à disposição equipamentos menos letais, como os de disparo de projéteis de choque para incapacitar o agressor ou suspeito, bem como outros instrumentos como algemas, spray de pimenta.

A partir disso, o policial dá os comandos para a pessoa suspeita e a informa sobre a utilização de equipamentos para escalar o uso da força para contenção, com objetivo de ganhar a atenção da pessoa e desencorajar o desobedecimento de um comando [policial].

O escalonamento é ensinado durante a formação dos agentes, mas deve sempre ser relembrado e apresentado aos policiais com base em situações reais. Há um caso recente, na zona Leste de São Paulo, que pode ter um efeito psicológico relevante sobre outros agentes. Dois policiais entraram em luta corporal com um suspeito que conseguiu tirar a arma do coldre de um dos agentes, atirou nos dois e fugiu.

Casos como esse geram uma tensão no efetivo, na tropa. Somadas as situações de tensão diária e a ausência de protocolos específicos frescos entre os policiais, abre-se margem para improvisação e os resultados podem ser diversos e os mais trágicos possíveis.

Os policiais envolvidos foram afastados segundo a Polícia Militar. Para além do afastamento, quais as outras formas de responsabilização possíveis?

Do ponto de vista de atuação policial há dois tipos de processamento que podem acontecer de forma simultânea. O primeiro é o da esfera administrativa interna da polícia, por meio do sistema da corregedoria da polícia militar. As evidências serão avaliadas, os policiais e eventuais testemunhas serão ouvidas, assim como o delegado responsável pelo caso. Havendo indícios de não convergência dos policiais com os procedimentos, eles estão sujeitos a uma série de penalidades previstas no regulamento da polícia militar, que podem variar de anotações na ficha pessoal até uma prisão administrativa de alguns dias. O afastamento da rua é uma medida preventiva.

Como este caso do homem amarrado não é um caso de crime contra a vida, não acredito que haveria margem para uma expulsão dos policiais da corporação, mas pode haver responsabilização administrativa.

Por outro lado, há a responsabilização na esfera criminal, na qual cabe a autoridade, no caso a Polícia Civil, verificar se há indícios de crimes previstos no código penal. Havendo indícios e entendimento do delegado [de que há suspeita de crime], o caso será submetido ao Ministério Público, que o avaliará para definir se fará ou não uma denúncia que poderia tornar os policiais réus.

Qual a avaliação do senhor sobre a falta de transparência sobre os procedimentos padrão que devem nortear abordagens policiais?

Pensando no conjunto de protocolos que a polícia militar deve ter, é compreensível que alguns deles devem ser sigilosos, principalmente quando estamos falando de estratégias de casos como, por exemplo, assaltos ou sequestros. Isso acontece para minimizar as formas de agressão e impedir que os suspeitos possam se antecipar.

Do ponto de vista da abordagem policial cotidiana, é muito necessário que os procedimentos estejam disponíveis para todo mundo. Em outros momentos, a ouvidoria da polícia teve um papel importante nesse aspecto. Para além do fato de conhecer quais eram os procedimentos, a ouvidoria chegou a elaborar nos anos 2000 cartilhas tentando explicar quais eram os direitos das pessoas durante uma abordagem e quais atitudes dos policiais eram legítimas e quais não eram.

Acredito que os procedimentos de abordagens cotidianas precisam ser públicos e transparentes para que as pessoas possam diferenciar o que é legal do que não é. Talvez devesse haver uma reedição dessas cartilhas para que tenhamos materiais de fácil comunicação ao público, materiais que facilitem a análise da atuação policial pela sociedade e pela imprensa.

Na sua avaliação, qual o caminho para evitar novos casos como esse?

Esse caso poderia ter tido um final mais trágico. O que precisamos cobrar da polícia é que mantenha seus protocolos de ação atualizados, que alguns deles sejam de conhecimento público e que os policiais passem por reciclagens nesses procedimentos com frequência. Devemos continuar pressionado para que a polícia tenha uma quantidade mais significativa de outros equipamentos que os policiais possam usar para fazer o uso escalonado da força.

Esses dois aspectos associados a um acompanhamento psicológico dos policiais e um bom comando dos batalhões podem criar condições para reduzir o número de casos em que policiais ajam de maneira improvisada. Os procedimentos existem para orientar o curso de ação do policial para obter os resultados satisfatórios. Esses procedimentos devem preservar a vida e a integridade física dos suspeitos e dos policiais.