Delação
6 de setembro de 2010Quando os alemães querem falar sobre whistleblowing (o ato de delatar, informar autoridades sobre atividades ilegais de outros), eles se deparam com um problema linguístico. Não há uma palavra correspondente no idioma. Para descrever a delação em sua própria língua, os alemães usam a palavra informante com uma conotação negativa ou emprestam o vocábulo do inglês, whistleblowing.
A falta de uma palavra alemã é indicadora do papel e da aceitação da delação na Alemanha. "Não há leis para proteger o delator ou que incentivem a delação. Já nos Estados Unidos, há as duas coisas", explica Johannes Ludwig, professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo e diretor da Whistleblower Netzwerk, uma rede que discute e esclarece dúvidas sobre o tema.
Segundo Ludwig, as razões pelas quais a delação desempenha um papel menor na Alemanha do que nos Estados Unidos são históricas e também moldadas pela mentalidade nacional. Os Estados Unidos foram fundados por pessoas que não queriam aceitar as estruturas hierárquicas tradicionais vigentes na Europa, argumenta.
"E é por isso que, nos Estados Unidos, tudo o que tem a ver com o Estado e com o governo tem que funcionar de forma eficiente e servir a um propósito claro. Os americanos têm uma ideia muito mais flexível de governo e de Estado e a relação deles com o governo e a iniciativa privada é muito menos burocrática e menos baseada na autoridade do que a alemã", acrescenta Ludwig.
Outro fator que reforça as diferenças é que a democracia na Alemanha, mesmo quando comparada com a de outros países europeus, é relativamente recente: "Por isso se pode compreender que as regras e leis sobre whistleblowing não são tão desenvolvidas na Alemanha como em outros países", argumenta Ludwig.
Proteção aos delatores
O primeiro incentivo legal para a delação nos Estados Unidos data da época da guerra civil. O False Claims Act foi aprovado no Congresso em 1863 e foi uma reação do governo federal a fraudes. A lei prometia uma recompensa para delatores que pudessem provar que o governo estivesse sendo lesado.
Com algumas poucas mudanças, a lei continua em vigor e permanece sendo um elemento importante na luta contra operações fraudulentas, diz Alexander Dyck, professor de finanças e especialista em whistleblowing da Universidade de Toronto.
"Se alguém traz informações a público por meio do ato de delação e o governo está sendo vítima de fraude e a ação tem sucesso, então o delator tem direito a ganhar entre 15% e 30% do dinheiro que o governo recebe como resultado da interrupção dessa fraude", explica Dyck.
Aumento da proteção
Em 2002, o governo americano elevou a proteção a delatores por meio da chamada Sarbanes-Oxley Act, como reação a casos de corrupção na Enron e a outros escândalos corporativos. O governo também expandiu o efeito do False Claims Act para as empresas privadas.
"Corporações precisam efetivamente ter uma política de delação, precisam criar uma hotline que permita aos empregados, ou a outras pessoas da empresa que percebem algo de errado, fazer uma ligação telefônica, e a informação é então comunicada a pessoas da empresa e há uma continuidade nisso", diz Dyck.
Na Europa
Não é só a Alemanha que carece de mecanismos semelhantes, mas a Europa. "Uma possível razão para haver menos casos de whistleblowing na Europa é que muitas das atividades que a delação poderia revelar não seriam ilegais em muitos países europeus. Muitas ações podem ser ilegais nos Estados Unidos, mas não na Europa; então a delação não seria muito efetiva", analisa Dyck.
Ainda segundo o professor, há uma explicação positiva para a carência de políticas que incentivem a delação na Europa. Segundo ele, há mais canais formais para empregados revelarem fraudes sem precisarem delatar. "A existência de conselhos de trabalho, de representantes de trabalhadores em comitês oferecem outro canal para que esse tipo de informação chegue aos tomadores de decisão", esclarece.
Os países europeus podem levar mais tempo para instituir uma espécie de "Programa de Proteção aos Delatores", como os já existentes em outras nações. No entanto, especialistas concordam que a Europa precisa incentivar mais a prática caso se queira uma melhora efetiva na governança corporativa, tanto nos setores de negócios como no governamental.
No Brasil
O incentivo à delação também é antigo no Brasil: segundo estudiosos do Direito brasileiro, o recurso é citado na lei já em 1603. O mecanismo chegou a ser retirado da legislação brasileira, mas reapareceu.
Atualmente, a "delação premiada" – aquela incentivada pelo legislador e que premia o delator concedendo-lhe benefícios como redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando – é considerada em várias leis, como a dos Crimes Hediondos, a Lei do Crime Organizado, no Código Penal, a Lei de Lavagem de Capitais, a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas e a Lei Antitóxicos.
Autores: Michael Knigge / Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler