Frangote ou pomo-de-adão?
10 de maio de 2009Sentado diante de uma grande mesa, o escritor alemão Ingo Schulze é questionado por 18 tradutores de suas obras. Cada um deles têm um exemplar do romance Adam und Evelyn, um esboço da tradução para sua língua e uma infinidade de perguntas.
"Como eu posso traduzir a expressão idiomática sitzt, wackelt und hat Luft? [expressão usada para designar um trabalho bem feito], quer saber o tradutor holandês Ard Posthuma. A húngara Lidia Nádori teve dificuldades com a expressão junger Hüpfer [literalmente jovem gafanhoto, é semelhante ao termo "frangote" em português]. E o norte-americano John E. Woods encontrou uma palavra que trouxe dificuldades para muitos tradutores: Adamsapfel [pomo-de-adão].
No romance de Schulze, essa não é qualquer palavra – é o protuberante pomo-de-adão que garante o apelido do herói da história. Mas essa associação não funciona em algumas línguas, como o islandês e o coreano.
O vocabulário da Alemanha Oriental
Os tradutores têm cinco dias para bombardear Schulze com perguntas, debater trechos de difícil compreensão e discutir sugestões de tradução. É a primeira vez que o escritor alemão trabalha dessa maneira, mas ele afirma que sempre desejou fazê-lo. "É uma diversão ficar aqui sentado com todos os tradutores, como se fosse uma festa surpresa de aniversário", comenta.
Juntos, escritor e tradutores repassam o livro página por página – o que significa muito trabalho, afinal são 314 páginas e 18 línguas. O principal desafio da tradução de Adam und Evelyn está no fato de o romance se desenrolar na antiga Alemanha Oriental.
Como traduzir palavras regionais como Plaste [plástico], Broiler [frango assado] ou Volksarmee [Forças Armadas da Alemanha Oriental] sem perder o espírito típico do antigo país? Schulze também não tem uma solução perfeita para esse problema. "É necessário encontrar algo parecido, mas certamente muito se perde", pondera.
Normalmente os tradutores debatem tais questões com Schulze por e-mail. Ter o autor diante de si é um privilégio que todos fazem questão de aproveitar. A eslovena Mojca Kranjc traduziu o romance Handy no ano passado e não teve coragem de incomodar o autor com perguntas.
Afinal, argumenta, ele deveria estar ocupado escrevendo ou promovendo seus livros. "Só em casos extremos eu iria incomodá-lo com minhas perguntas. Tê-lo aqui é um luxo", afirma.
Primeiro traduzir, depois publicar
Esse luxo é permitido pela Academia Europeia de Tradutores de Straelen, maior centro mundial de trabalhos de tradução literária, na cidade alemã perto da fronteira com a Holanda. Em conjunto com a Fundação de Apoio às Artes do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, ela organiza o encontro, que teve este ano sua terceira edição.
O evento permite que tradutores de vários países se encontrem com um autor. O tradutor finlandês Jukka-Pekka Pajunen aprova a iniciativa: quando um tradutor faz uma pergunta, todos ouvem a resposta.
"Há sempre esses casos que passam batido. Nem percebemos que há um problema na tradução", diz Pajunen, lembrando que também tradutores podem entender errado um trecho. As discussões evitam esse problema, avalia. "As traduções se tornam de melhor qualidade."
Schulze diz que também tira proveito do trabalho analítico conjunto. Ele confessa que já detectou erros de conteúdo nos seus romances graças aos seus tradutores. "Um tradutor precisa analisar com cuidado cada palavra. Ele é, portanto, mais atento que um leitor comum." Na verdade, brinca Schulze, cada livro deveria primeiro ser traduzido e só depois ser publicado. Assim todos os erros seriam corrigidos.
Autora: Nine Funke-Kaiser
Revisão: Carlos Albuquerque