"Insight" vai olhar para dentro de Marte
26 de novembro de 2018Alguns dizem que se está perdendo tempo demais em Marte. E que seria melhor uma maior dedicação à pesquisa da Lua – e finalizar algumas tarefas inacabadas por lá. Então, por que não construir uma base lunar? Afirmam que o homem já esteve lá antes e que, assim, as perspectivas são boas. E quando isso tiver sido feito, aí sim se poderá olhar para Marte. Pode ser – até porque a Lua fica mais perto do que Marte.
Há tempos a Lua é um trampolim para outros corpos celestes: um "estilingue gravitacional" para acelerar e economizar combustível nas sondas espaciais. A Lua também representa um precedente científico. Seres humanos já estiveram lá e retornaram intactos. No entanto, muitos dizem que, até agora, desde o pouso na Lua no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a Humanidade fracassou em dar prosseguimento a esse trabalho de maneira significativa.
Também se pode dizer que, sem as missões espaciais "Apollo", os cientistas nunca teriam ousado sonhar com a missão "Insight" em direção a Marte, ou nunca teriam percebido a necessidade de aprender mais sobre a formação de planetas.
Claro, os americanos foram à Lua em meio à corrida espacial da Guerra Fria. Mas, sobretudo, havia curiosidade, em busca de saber mais sobre nosso vizinho celestial mais próximo, e ver como ele era em comparação com a Terra.
É o mesmo com Marte agora. Porque, quanto mais os cientistas souberem sobre Marte, melhor entenderão a própria Terra.
"Não sabemos o que vamos encontrar, há uma tensão intelectual", disse Suzanne Smrekar, vice-gestora de projetos de pesquisa da missão "Insight", lançada em 5 de maio passado, da Califórnia, e que aterrissou nesta segunda-feira (26/11) em Marte, onde ficará por 728 dias (terrestres). "Mas, honestamente, faço isso porque acredito que a ciência planetária nos ensina mais sobre a Terra."
Já se sabe muito sobre o Sistema Solar, mas pouco se sabe sobre a formação de planetas. "Acreditamos que, quando gás e poeira colidem no Sistema Solar por meio da gravitação para formar um planeta, há liberação de calor, tanto calor que o planeta derrete", explica Smrekar o chamado "calor de acreção". "Mas então o planeta esfria rapidamente", continua, "e os cristais começam a se formar".
Os materiais mais pesados submergem para compor o manto do planeta. Ferro e níquel formam um núcleo metálico, enquanto o material mais leve sobe em forma de crosta primária. Todos os planetas rochosos, como a Terra e Marte, compartilham essas estruturas básicas. A composição de suas crostas, mantos e núcleos, no entanto, são quimicamente diferentes.
E são exatamente essas camadas que a missão "Insight" vai investigar em Marte.
Muito do que os cientistas sabem sobre esse processo inicial e sobre a formação de camadas num planeta foi descoberto na Lua. Mas a Lua não pode ou não quer contar tudo.
"As condições de pressão e temperatura dentro da Lua estão longe de ser tão elevadas como na Terra e em Marte, por isso, quando observarmos as camadas rochosas em Marte, teremos a oportunidade de usar os modelos que desenvolvemos para a Lua. Poderemos então ver onde acertamos e o que um planeta maior pode nos dizer", explica Smrekar.
A "Insight" testará a condutividade térmica do planeta vermelho com uma sonda de fluxo de calor. Ela mapeará os movimentos das placas tectônicas e medirá outras atividades sísmicas. A sonda vai verificar a oscilação do Polo Norte durante a órbita de Marte em torno do Sol. Os pesquisadores querem descobrir se o núcleo de Marte é líquido e o que há dentro dele além de ferro.
Tanto as estruturas para a investigação do fluxo de calor quanto os instrumentos sísmicos vêm da Europa. Esta missão da Nasa é um exemplo de cooperação internacional, construída em décadas de relações profissionais entre cientistas e engenheiros.
Um dos principais instrumentos da missão, o sismômetro "Seis", foi desenvolvido pela agência espacial francesa CNES.
"Terra e Marte são dois planetas rochosos formados ao mesmo tempo", aponta Annick Sylvestre-Baron, vice-chefe da missão. "Um planeta ainda está 'vivo' com atividade vulcânica, oceanos de água líquida em sua superfície, uma atmosfera protegida por um campo magnético e múltiplas formas de vida, enquanto o outro parece ter se tornado um deserto congelado há cerca de 3,5 bilhões de anos."
Sylvestre-Baron diz que "Seis" tentará encontrar os restos do pulso marciano. "Esperamos que os dados sísmicos que coletarmos em Marte nos ajudem a entender melhor a estrutura interna do planeta – sua crosta, seu manto e seu núcleo –, como também a formação e evolução de Marte. E, comparando esses dados com os da Terra e da Lua, poderemos entender melhor todos os planetas rochosos."
A Nasa recorreu à expertise francesa, porque o CNES já havia desenvolvido um sismômetro que poderia suportar as condições extremas de Marte. Nesse ponto, segundo a pesquisadora, não faz sentido realizar o trabalho nos EUA novamente.
Isso também se aplica à HP3, a sonda de fluxo de calor desenvolvida pelo Centro Aeroespacial Alemão (DLR).
A HP3 deverá perfurar o solo marciano ou regolito até cinco metros. Sondas semelhantes são muito mais profundas na Terra: elas penetram no solo por até um quilômetro. A essa profundidade, eles podem fazer medições sem serem perturbadas por outros fatores – como mudanças no clima, águas subterrâneas ou similares.
Marte é menos problemático nesse aspecto. Amplitude térmica entre dia e noite ou ao longo das estações do ano podem afetar profundidades de até três metros. Então os cinco metros são suficientes.
"O calor que emana de um planeta é semelhante ao calor do motor do carro. Quando se anda muito, o carro esquenta, e quando se dirige menos, ele libera menos calor. Então o calor de escape de um motor é uma medida de sua atividade. E os planetas pegam seu calor interno e o convertem em deformações na superfície, como montanhas, vulcões, ou produzem um campo magnético, tectonismo e assim por diante", explica Tilman Spohn, pesquisador-chefe da HP3.
No momento, Marte não gera nenhum campo magnético, mas o fez no passado. Então, talvez esse seja um sinal de declínio da vida ali.
Existem dois componentes principais da HP3: um perfurador metálico que rompe o solo como um martelo e uma corda fina com sensores de temperatura.
"À medida que descemos, a cada 50 centímetros, fazemos uma pausa, aquecemos o casco externo do perfurador e observamos a elevação da temperatura, e isso nos permitirá calcular a condutividade térmica do regolito [solo]", diz Spohn. "Vamos ler a temperatura ao longo de 14 sensores impressos na corda."
Os dados mostrarão como o fluxo de calor e a condutividade térmica em Marte se comportam atualmente, mas também deverão permitir que os cientistas rastreiem quando o planeta foi formado. O fluxo de calor ainda é derivado do "calor de acreção" original do planeta.
O HP3 visa medir o decaimento radioativo de elementos produtores de calor, como urânio, tório e potássio.
"A física básica explica esse decaimento com o tempo", diz Smrekar. "Se conhecemos a concentração desses elementos hoje, podemos projetar em retrospecto e calcular como eles contribuíram para a temperatura em Marte, para a sua usina térmica, no passado."
E isso, por sua vez, poderá nos ajudar no futuro, especialmente se o homem ainda quiser construir colônias em Marte.
"A partir de nossas estimativas atuais de fluxo de calor, eu diria que a água líquida se encontra numa profundidade proibitiva para as pessoas acessarem em Marte", afirma Smrekar. "No máximo, o calor do subsolo poderia ser um recurso valioso."
A princípio, a pesquisa gira em torno da curiosidade. "A humanidade precisa saber de onde vem e para onde está indo", diz, por sua vez, Sylvestre-Baron.
Na verdade, se tudo correr bem, a "Insight" dirá mais sobre todo o Sistema Solar – e revelará segredos sobre a vida na Terra.
"Se estudarmos apenas nosso planeta, não compreenderemos a evolução da Terra, não entenderemos por que a Terra é única ou por que é o único lugar habitável. Não apreenderemos essas coisas em sua totalidade a menos que tentemos entendê-las em outros lugares", diz Smrekar.
"Então, esta pesquisa está salvando a vida de alguém hoje? Não, mas é importante entender como o nosso planeta funciona se quisermos continuar a habitá-lo num futuro longínquo", conclui.
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