Inverno não impede tráfico humano no Mar Egeu
10 de fevereiro de 2016Na Praça Basmane, na cidade turca de Izmir, na costa do Mar Egeu, traficantes se aproximam de rostos novos para fornecer detalhes sobre botes que partem em direção à Grécia. E, assim como acontece com experientes operadores de telemarketing, é impossível interrompê-los.
"Seiscentos e cinquenta dólares", disse um jovem em árabe, com sotaque claramente sírio, ao oferecer uma passagem para a União Europeia (UE). "O bote parte para Lesbos hoje ao pôr do sol […] Não serão mais que 35 pessoas a bordo, e o motorista fala quatro idiomas", explicou.
"Primeiro, eu levo vocês para uma casa. Em seguida, uma van vira buscá-los e os levará para o bote. A viagem dura uma hora, e a partida é garantida ou devolvemos seu dinheiro." Então, ele acrescentou: "Pegue o meu número. Pode me ligar se tiver dúvidas. Vou estar aqui por mais duas horas."
Ele pareceu não notar ou não se incomodar com a câmera de reportagem da DW. Quando terminou, partiu para repetir seu discurso para um grupo de homens jovens com mochilas. Pouco depois, ele os levou a um café, onde parecia que iriam fazer uma troca.
Enquanto isso, outros traficantes de pessoas estavam sentados num parque do outro lado da rua, negociando com famílias que carregavam seus pertences em sacos de lixo pretos.
Ritmo intenso
Nesta segunda-feira (08/02), a chanceler federal alemã, Angela Merkel, visitou a Turquia para discutir o número de refugiados que atravessaram o país com destino à UE, a um ritmo que pouco diminuiu neste inverno.
Apesar de um aumento da pressão por parte da União Europeia e da polícia turca, mais de 68 mil pessoas usaram essa rota no mês passado. Em janeiro de 2015, somente 5 mil haviam feito a travessia, de acordo com a Organização Internacional de Migrações (OIM). Em fevereiro deste ano, espera-se que o número aumente ainda mais, com dezenas de milhares de pessoas fugindo da província síria de Aleppo.
"A Europa pode dar dinheiro à Turquia, mas nem 100 bilhões de dólares vão parar isso", afirmou Necep Uz, proprietário da pensão Adil em Cesme, cidade costeira perto de Izmir onde refugiados permanecem até a partida para a ilha grega de Lesbos.
"Essas pessoas estão escapando de guerras, e vão continuar vindo até as guerras cessarem", disse Uz. "Lembre-se disso quando voltar daqui a dois anos e tudo continuar igual."
Em Izmir, ainda se vendem coletes salva-vidas na cor laranja fluorescente, mas agora eles foram levados para dentro das lojas. Assim como as operações de tráfico humano, os coletes continuam sendo um elemento do comércio diário, só que um pouco menos visíveis que antes.
"Sem grandes máfias"
Depois de pagar os traficantes em Izmir, os migrantes costumam ser transportados para cidades costeiras no norte, perto de Ayvalik. De lá, partem para Lesbos ou vão para Cesme, no leste, onde atualmente cerca de 400 refugiados esperam em hotéis por melhores condições meteorológicas para cruzar o Mar Egeu no fim de semana.
Quando o mar fica agitado, os quartos da pensão de Uz costumam lotar. Ele cobra 10 dólares por pessoa ou 60 dólares por família, mas ele também afirmou que frequentemente não cobra daqueles que não podem pagar. "O que posso fazer?", indagou. "Deixar uma mãe com três filhos dormir do lado de fora?"
Enquanto crianças afegãs jogavam futebol na rua em frente à pensão, Uz explicou que a polícia local tentou várias vezes intimidá-lo e ameaçou fechar seu negócio, caso ele continuasse a hospedar pessoas a caminho da Grécia.
"Se quiserem, eles podem me mandar para a prisão", disse. "Mas sei que não estou fazendo nada de errado. São os atravessadores que trazem essas pessoas para cá. A polícia diz que eles têm grandes organizações, mas são simples grupos de pessoas. Não existem grandes máfias."
"Qualquer lugar menos o Irã"
Ali, um pintor de paredes iraniano de 25 anos de idade, ficou num quarto no andar de cima por duas noites. Ele pagou 1.000 dólares a um traficante por um lugar num bote e disse estar esperando que o vento se acalmasse para partir rumo à Europa. Durante sua estadia, o jovem aproveitou para comprar documentos falsos afegãos por 100 dólares, para passar pelos controles de fronteira nos Bálcãs, que permitem a passagem somente de refugiados oriundos de zonas de guerra.
Ao ser questionado por que deixou o Irã, Ali levantou a camiseta para mostrar as cicatrizes de centenas de chibatadas que recebeu ao ser pego bebendo álcool. "Quero ir para a Alemanha ou Dinamarca ou até mesmo para a prisão na Europa", explicou. "Qualquer lugar menos o Irã."
Antes de a polícia esvaziar a área no mês passado, refugiados com destino à ilha grega de Chios permaneciam nos arredores de Cesme, num complexo abandonado de casas de veraneio chamado German Holiday Village. Agora, eles têm que pagar pelo alojamento, mas voluntários de uma iniciativa local, a Imece Inisiyatifi Cesme, têm trabalhado para aliviar a carga econômica sobre os migrantes, por meio da doação de alimentos, roupas e, às vezes, da prestação de serviços médicos.
Ali Yalvacli, diretor da Imece Inisiyatifi Cesme, afirmou que o grupo tenta dissuadir as pessoas de fazer a perigosa travessia para Chios. "Convencê-los a ficar é difícil, porque ficar não é o problema", disse Yalvacli. "O problema está em encontrar trabalho e montar uma vida na Turquia. O que eles vão fazer aqui?"
De volta à Praça Basmane, em Izmir, um grupo formado em sua maioria por mulheres e crianças estava sentado numa esquina com todos os seus pertences. Policiais estacionados em frente ao grupo viram quando três vans pararam e todos entraram, espremendo-se com suas bagagens.
Ao partirem, dois homens num café próximo conversavam em árabe. "Quando sairemos esta noite?", perguntou um deles. "À 1h", respondeu o outro. "Quantos temos?", indagou novamente. "Quatro", disse o parceiro.