Jornalistas sob suspeita
3 de agosto de 2007Entidades de classe dos jornalistas alemães e lideranças dos partidos de oposição no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) criticaram duramente as investigações abertas nesta quinta-feira (2/08) por várias promotorias públicas contra 17 repórteres e redatores de oito jornais e revistas do país.
Eles são acusados de haver publicado informações consideradas sigilosas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que apura irregularidades supostamente cometidas pelo Serviço Federal de Informações (BND) e por outras autoridades de segurança no combate ao terrorismo.
Segundo o representante do Partido Liberal na CPI, deputado Max Stadler, não houve na comissão qualquer decisão para investigar especialmente os jornalistas. "As investigações da Promotoria Pública são uma grave obstrução do trabalho jornalístico", disse.
Na opinião de Stadler, quem repassa informações sigilosas à imprensa sem dúvida comete um crime. "Mas que essas informações sejam usadas pelos jornalistas, isso faz parte de sua tarefa e de sua obrigação de informar a opinião pública", afirmou.
Stadler acusou o Partido Social Democrata (SPD) de haver repassado informações internas da CPI à imprensa, com o objetivo de proteger a imagem do atual ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, que no governo anterior era o chefe da Casa Civil, à qual o serviço secreto é subordinado.
Nesta quinta-feira (2/08), as promotorias públicas de Berlim, Munique, Hamburgo e Frankfurt confirmaram a abertura dos inquéritos contra redatores dos jornais Die Zeit, Frankfurter Rundschau, Tagesspiegel, Berliner Zeitung, Tageszeitung e Welt am Sonntag, que estão entre os maiores órgãos de imprensa da Alemanha.
Escândalo
A Promotoria de Berlim informou nesta sexta-feira que as investigações também se dirigem contra "portadores de segredos" da CPI. O inquérito, no entanto, não é contra um determinado parlamentar e sim contra "desconhecidos", disse a porta-voz do órgão, Simone Herbeth.
As investigações teriam sido sugeridas pelo presidente da CPI do serviço secreto, Siegfried Kauder (CDU), com o apoio da maioria dos membros da comissão, para descobrir quem repassou as informações à imprensa. O presidente do Bundestag, Norbert Lammert (CDU), então teria solicitado à Promotoria Pública o início das investigações. Segundo o deputado Hans-Christian Ströbele, do Partido Verde, na CPI foi dito que a medida não se dirigiria contra a imprensa.
Segundo a deputada Petra Pau, do Partido de Esquerda, "é um escândalo que a CPI tenha mantido em segredo muitas informações importantes para o Bundestag. Os jornalistas torpedearam parcialmente essa estratégia do sigilo, e exatamente isso é a função deles", disse.
"Ataque à liberdade de imprensa"
O presidente da Associação Alemã de Jornalistas (DJV), Michael Konken, classificou as investigações como "um ataque amplo à liberdade de imprensa". Segundo ele, nunca houve na Alemanha tantos inquéritos contra jornalistas. As investigações destinam-se a intimidar os jornalistas e suas fontes, acrescentou.
A associação Bundespressekonferenz (BPK), que reúne mais de 900 jornalistas encarregados da cobertura do Legislativo e do Executivo alemães, informou em nota que "a queixa apresentada à Justiça pelo presidente do Bundestag é uma intervenção inadmissível no trabalho dos correspondentes do Parlamento". A diretoria da BPK exigiu a suspensão das investigações.
Na avaliação do redator-chefe do Frankfurter Rundschau, Uwe Vorkötter, "é incrível que a investigação jornalística seja ameaçada de forma generalizada por sanções jurídicas. Os jornalistas não prestam ajuda ao chamado crime de revelação de segredo e, sim, ao esclarecimento de um escândalo", argumentou.
Não é o primeiro caso
Casos como este vêm se tornando cada vez mais freqüentes na Alemanha. No começo deste ano, a Promotoria Pública de Hamburgo abriu inquérito contra jornalistas da revista Stern e do jornal Financial Times Deutschland, por causa de reportagens sobre o teuto-libanês Khaled al Masri, detido pela CIA e mais tarde libertado. A CPI do serviço secreto também pretendia apurar denúncias de que o BND teria espionado jornalistas.
Em setembro de 2005, houve buscas na redação da revista Cícero e no escritório do jornalista Bruno Schirra, também acusado de "colaboração em revelação de segredo" [de Estado]. Em fevereiro passsado, o Tribunal Constitucional Federal (TCF) considerou inconstitucionais essas buscas.
Segundo a sentença do TCF, a mera publicação de informações sigilosas não basta para fundamentar a acusação de "ajuda à revelação de segredo". Diante dessa decisão no caso da revista Cícero, as atuais investigações não poderiam ter sido iniciadas ou deveriam ser suspensas, disse o presidente da DJV.
A indignação dos jornalistas é grande, mas as entidades representativas da classe confiam no estado de direito. "Eu parto do princípio de que os inquéritos serão arquivados num determinado momento, sem que ocorra uma acusação formal. Já vimos isso em mais de 180 casos até agora. Não há nenhum exemplo de um jornalista que tenha sido condenado por isso", disse o assessor de imprensa da DJV, Hendrik Zörner. (gh)