Os 'inimigos' da AIEA
2 de julho de 2009Sediada em Viena, na Áustria, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), é responsável por desencorajar o uso para fins militares da energia nuclear e zelar pelo seu emprego pacífico. Há 11 anos a agência é comandada pelo egípcio Mohamed El Baradei.
Ele ficará no cargo até novembro. O sucessor foi escolhido nesta quinta-feira (02/07): o japonês Yukiya Amano.
Duas nações, em especial, devem ter tirado o sono de El Baradei durante seu período no cargo: o Irã e a Coreia do Norte. Em abril passado, a Coreia do Norte reforçou suas pretensões nucleares ao realizar um segundo teste com armas atômicas.
O Irã, apesar da forte pressão da comunidade internacional, leva adiante o seu programa nuclear. O presidente Mahmud Ahmadinejad já repetiu várias vezes que o país tem um direito inalienável ao uso da energia atômica.
Irã era modelo
No tempo do xá, a situação era outra: o Irã era um exemplo de cooperação com a AIEA. Foi um dos primeiros países a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, ainda em 1968, e a ratificá-lo, em 1970.
Mesmo após a Revolução Islâmica, em 1979, havia inicialmente cooperação entre os dois lados. Mas logo os serviços secretos ocidentais levantaram a suspeita de que o Irã estaria desenvolvendo um programa nuclear para fins militares.
O diretor do setor de Não-Proliferação de Armas Nucleares do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos em Londres, Mark Fitzpatrick, lembra que somente em 2002 a AIEA obteve informações mais precisas com exilados iranianos.
"Isso levou a AIEA a inspecionar instalações suspeitas. Ficou claro que o Irã não cumpriu, durante 18 anos, seu acordo com a AIEA em relação a medidas de segurança de material físsil", afirma Fitzpatrick.
De acordo com ele, coube à agência relatar todos os meios pelos quais o Irã descumpriu esse acordo. "O relatório de 2003 apresentou 14 irregularidades", lembra.
Aumenta o conflito
O relatório acirrou o conflito entre o Irã e o Ocidente, que dura até hoje. Desde então, o Conselho de Segurança das Nações Unidas já aprovou cinco resoluções sobre o tema. Principalmente as tentativas de enriquecer urânio devem ser suspensas.
O urânio enriquecido é utilizado em usinas nucleares. O urânio altamente enriquecido é a matéria-prima da bomba atômica. A princípio, todos os países têm direito de usar o urânio para fins pacíficos, ou seja, gerar energia elétrica.
O que causou desconfiança, no caso do Irã, foi o jogo de esconde-esconde que caracterizou o programa nuclear do país. "Não há motivos para que um país que tenha um programa para produção de energia nuclear enriqueça urânio ou recupere plutônio a partir de combustível queimado."
Coreia do Norte
A Coreia do Norte realizou seu primeiro teste nuclear em 9 de outubro de 2006. No dia 25 de maio de 2009 ocorreu o segundo teste. O país iniciara seu programa nuclear ainda nos anos 60, construindo um pequeno reator para pesquisas.
Em meados de 1970, a Coreia do Norte ingressou na AIEA e também assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares.
Assim, a AIEA obteve controle sobre as instalações nucleares norte-coreanas, mas, segundo as regras válidas na época, apenas eram inspecionadas as instalações declaradas pelos signatários do tratado.
Essa situação mudou em 1992, logo após a primeira Guerra do Golfo, quando a AIEA descobriu no Iraque instalações que permitiriam ao país fabricar um arsenal de armas nucleares.
Novos poderes para a AIEA
Diante disso, as regras do jogo foram alteradas, e os inspetores da AIEA ganharam mais poderes: eles passaram a inspecionar também locais não declarados. "A Coreia do Norte era o próximo país da lista, e a AIEA a inspecionou com muita atenção", lembra o especialista Daniel Pinkston, do International Crisis Group.
"Acho que eles desenvolveram novos métodos de inspeção, que possivelmente surpreenderam os norte-coreanos. Dessa forma, descobriram que havia sido recuperado mais plutônio que o declarado", relata Pinkston.
Foi o início da primeira crise nuclear entre o Ocidente e a Coreia do Norte, que ameaçou abandonar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Na época, a situação foi contornada com a mediação dos Estados Unidos.
Os governos em Washington e Pyongyang assinaram um acordo que, em resumo, prevê que os norte-coreanos abdiquem de seu programa nuclear e, em troca, recebam petróleo e um reator de água ligeira para a geração de energia.
Ponto fraco da AIEA
Na prática, o acordo assinado em outubro de 1994 significou uma profunda mudança nas atribuições da AIEA na Coreia do Norte, afirma Pinkston. "Sob as condições impostas pelo acordo, os inspetores puderam visitar as instalações nucleares em Yongbyon, mas não para concluir suas inspeções e sim para vigiar o fim das atividades."
Para Rüdiger Frank, especialista em Coreia do Norte da Universidade de Viena, a situação evidenciou o ponto fraco da AIEA. "Ela podia fazer apenas o que os norte-coreanos a deixavam fazer. E esse é exatamente o ponto fraco da autoridade nuclear. Ela não age por conta própria, mas é um instrumento, precisa se voltar para a ONU e o Conselho de Segurança em caso de violações. Ela não tem como impor regras ou sanções."
Em 2003, os norte-coreanos simplesmente abandonaram o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares.
Autor: Matthias von Hein
Revisão: Augusto Valente