Italianos vencem alemães no dia em que a política imitou o futebol
29 de junho de 2012"Monti 2, Merkel 1", disse o chefe da bancada dos Verdes no Parlamento alemão, Jürgen Trittin, constatando sarcasticamente o placar final da cúpula europeia encerrada nesta sexta-feira (29/06). A frase reproduz com perfeição o paralelo entre a derrota da seleção alemã para os italianos, na noite anterior, na semifinal da Eurocopa e a capitulação da Alemanha frente a reivindicações da Espanha e, sobretudo da Itália, no encontro em Bruxelas. Exatamente esses dois países disputam a final da Euro no domingo.
E a comparação não sai da cabeça nem de alemães, nem de italianos, um dia depois que duas situações concomitantes e independentes entre si serviram para que as nações da Europa Meridional assoladas pela crise tivessem o raro prazer de sentir o gosto da vitória sobre uma Alemanha acusada muitas vezes de prepotência. A imprensa de ambos os países usou e abusou dos paralelos entre esporte e economia.
Gol alemão pode ser anulado
"Como no futebol, assim foi na cúpula europeia", intitulou o site da revista alemã Der Spiegel em matéria em que o veículo afirma que "Merkel foi dobrada. Os países mediterrâneos em crise podem agora ter esperança em receber ajudas não condicionadas a pacotes de austeridade".
Berlim conseguiu evitar a coletivização da dívida através de títulos conjuntos, os chamados eurobonds. Já Roma e Madri obtiveram um afrouxamento das condições para que economias em crise obtenham dinheiro dos fundos de resgate europeus, algo repetidamente rejeitado por Merkel, que há tempos vinha batendo na tecla da disciplina fiscal. Um segundo gol, ou melhor, uma segunda concessão arrancada da "dama de ferro alemã" pela dobradinha composta pelo premiê italiano Mario Monti e o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, foi a de que bancos europeus em dificuldades possam recorrer diretamente aos fundos de resgate.
Mas mesmo o único gol germânico corre risco de ser anulado. Na opinião do economista chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, é apenas uma questão de tempo para que Berlim também abra mão de sua rejeição aos eurobonds. "A Alemanha aceitará os títulos comuns se tiver que escolher entre eles e uma explosão da união monetária", afirmou Krämer, citado pela agência AFP.
Grito preso na garganta
"Itália e Espanha fizeram os gols", conclui o popular Bild, jornal de maior tiragem da Alemanha. "A chanceler concentrou toda a zaga no meio, diante da grande área. Mas Itália e Espanha atacaram pelas pontas", compara Nikolaus Blome, colunista do tabloide. "Pela primeira vez em mais de dois anos de crise, os Estados do euro não deram ouvidos ao comando alemão em um momento decisivo", lamenta o jornalista.
A imprensa italiana aproveitou a derrota alemã no gramado para soltar o grito entalado na garganta durante os anos de crise, em que uma potente Alemanha, que comemora recordes de exportação e consumo, dita as regras ao resto do continente, enquanto os italianos são obrigados a apertar os cintos para enfrentar a recessão. É mais um exemplo em que o futebol serve de válvula de escape para as frustrações do dia a dia.
"Alemanha pode ser a chefe da Europa, mas não no futebol. Nele, nós é que somos os alemães", escreve o italiano Corriere della Sera. O jornal Libero, de Milão, traz a manchete "Vaffanmerkel", fazendo um trocadilho pesado com o nome da chefe de governo alemã e um palavrão, junto a uma foto do artilheiro da partida, Mario Balotelli, chutando a cabeça da chanceler no lugar da bola. "Os azzurri deram alegria ao país inteiro, como se o triunfo fosse uma revanche contra o fantasma alemão."
Autor: Marcio Damasceno
Revisão: Roselaine Wandscheer