Itamaraty suspende férias de embaixadores na Europa
27 de agosto de 2019O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, determinou nesta segunda-feira (26/08) a suspensão das férias de embaixadores do país na Europa por 15 dias para coordenar uma reação à crise internacional provocada pelas queimadas e desmatamento na Amazônia. Agosto é um mês tradicionalmente de férias no hemisfério norte.
A crise - aliada à reação extremamente negativa de membros do governo de Jair Bolsonaro - vem corroendo a imagem do Brasil no exterior e levantou temores sobre o futuro do acordo entre o Mercosul e a União Europeia e a imposição de eventuais sanções contra produtos brasileiros.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Araújo já realizou uma videoconferência com os embaixadores para discutir um plano de ação. De acordo com o jornal, o plano inclui uso das redes sociais para rebater acusações de que as políticas do governo Bolsonaro representam risco para a floresta.
De acordo com a agência Reuters, o aviso sobre a suspensão das férias foi feito por meio de uma circular confidencial e pegou os diplomatas de surpresa. De acordo com a agência, diplomatas contaram que esse tipo de suspensão normalmente é reservada para a atuação em ações humanitárias, especialmente quando há risco de vida e necessidade de proteção a brasileiros.
Na semana passada, o governo já havia distribuído para suas representações diplomáticas mundo afora um documento de 12 páginas com 59 itens e dados para que os diplomatas defendessem o governo das acusações de comportamento antiambiental.
Também foi enviada uma montagem com 9 pontos sobre as queimadas preparado pelo Ministério do Meio Ambiente. O documento veio acompanhado de uma ordem para que todas as embaixadas e consulados os colocassem em suas páginas oficiais nas redes sociais. O material diz, entre outros pontos, que queimadas "acontecem todo ano no Brasil" e que os incêndios que ocorrem atualmente "não estão fora de controle".
A crise internacional que vem castigando a imagem do Brasil teve início na semana passada. O catalisador foi a divulgação de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apontaram que o número de queimadas no país nos primeiros 20 dias de agosto foi 83% maior do que no mesmo período do ano passado.
Para piorar, no dia 19 de agosto, a cidade de São Paulo ficou às escuras no meio da tarde por causa de uma combinação de nuvens de chuva e fumaça de queimadas. As imagens correram o mundo.
Antes disso, Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já vinham adicionando elementos para a crise ao contestar dados do Inpe, antagonizar com doadores europeus do Fundo Amazônia, promover o esvaziamento de órgãos ambientais e se posicionar a favor da exploração econômica de terras indígenas, inclusive na Amazônia.
A reação internacional foi liderada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que propôs discutir as queimadas na reunião de cúpula do G7, no último fim de semana. Macron ainda colocou em dúvida o futuro do acordo com o Mercosul ao afirmar que Bolsonaro mentiu ao assumir compromissos em defesa do meio ambiente durante a cúpula do G20 no Japão.
Segundo o francês, a proteção ambiental foi uma das condições para que as negociações do acordo fossem bem-sucedidas. "Nessas circunstâncias, a França se opõe ao acordo com o Mercosul", disse um comunicado divulgado pelo governo francês
Atitude similar foi adotada pela Irlanda, cujo governo também é pressionado por pecuaristas locais, que veem com desconfiança o acordo de livre-comércio com o Mercosul. "Não há nenhuma chance de votarmos a favor se o Brasil não honrar seus compromissos ambientais", escreveu o primeiro-ministro Leo Varadkar, em comunicado divulgado no dia 22 de agosto. Ele também criticou Bolsonaro pelas acusações, sem qualquer prova, de que ONGs estariam por trás das queimadas.
Ainda na semana passada, o governo da Finlândia, que no momento detém a presidência rotativa da União Europeia, declarou a intenção de propor aos países do bloco uma suspensão geral da importação de carne bovina brasileira por causa das queimadas que atingem a Amazônia.
Em 2018, o Brasil exportou 118,3 mil toneladas de carne bovina para a União Europeia, que renderam 728 milhões de dólares, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
Políticos oposicionistas da Alemanha também pediramque o acordo com o Mercosul seja revisto por causa da atitude do governo brasileiro em relação à Amazônia. Alguns chegaram até mesmo a defender a imposição de sanções com produtos brasileiros.
No entanto, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, se posicionou contra qualquer ação no sentido de travar o acordo com o Mercosul, argumentando que isso não vai ajudar a conter o desmatamento e as queimadas. No final, a Alemanha, junto com outros países do G7, aprovou o envio de um pacote de ajuda de cerca de 80 milhões de reais para que o Brasil combata as queimadas.
Nos últimos dias, o presidente e seus auxiliares têm reagido mal às críticas, apelando para o nacionalismo e classificando as ações europeias de "colonialismo". Ministros do governo brasileiro ainda distribuíram insultos, chamando Macron de "calhorda", "cretino" e "Mícron". Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo, também divulgou um vídeo que o francês é chamado de "idiota". O presidente Bolsonaro, por sua vez, endossou um comentário no Facebook que ridiculariza a aparência da esposa de Macron, Brigitte.
Em resposta, Macron disse esperar que os brasileiros "tenham logo um presidente à altura do cargo". "O que posso dizer? É triste, é triste para ele, primeiramente, e para os brasileiros", completou o francês.
Nesta segunda-feira, Macron ainda alfinetou Bolsonaro ao mencionar, mesmo que teoricamente, a atribuição de um "estatuto internacional" à floresta amazônica. Segundo o francês, essa poderia "ser uma questão real" se um Estado soberano "tomasse medidas concretas que claramente se opusessem ao interesse de todo o planeta".
O francês, no entanto, ressaltou que essa discussão não se enquadra na iniciativa de ajuda oferecida pelo G7 ao Brasil. Macron ainda disse que o estatuto internacional "é um caminho que permanecerá aberto, nos próximos meses e anos, pois o desafio no plano climático é tal que ninguém pode dizer 'não é problema meu'".
E acrescentou: "A mesma coisa vale para aqueles que têm em seus territórios glaciares ou regiões que têm impacto sobre o mundo inteiro".
JPS/rt/dw/ots
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