Jogo como metáfora da vida
8 de junho de 2006Foi o filósofo holandês Johan Huizinga que cunhou, há cerca de um século, o termo homo ludens ou o "homem que joga, brinca". O jogo e o sério. Huizinga os retratou como esferas separadas da vida. Friedrich Schiller, poeta alemão que viveu em fins do século 18, considerava o “homem que joga, brinca”, ou seja, o homo ludens, o verdadeiro homem criativo.
Quando se fala em jogo, pensa-se primeiramente em futebol ou criança. Dentro das categorias de jogos em grupo, o futebol é, com certeza, o mais litúrgico, ou seja, o mais aglomerador – para a descontentamento dos religiosos que acham que lugar de liturgia é somente na Igreja. Mas o futebol não é o único jogo.
Origem grega
Associar a criança ao jogo também não estaria errado, já que é daí, pelo menos em grego, que vem o nome jogo: do grego pais (criança), desenvolveram-se paidia (jogo) e paideia (educação, formação).
Diferente do português ou do inglês, a língua alemã possui para jogar, brincar ou atuar, um só verbo: spielen. E foi na Alemanha que foram lançados, recentemente e há trinta anos, dois livros que discutem, em diversos textos, a importância do jogo em nossas vidas.
Jogo como vida
Aquiles e Ájax jogam dados na capa de Der Mensch und das Spiel in der verplanten Welt (O homem e o jogo no mundo planejado, Munique, 1976). Retratados em um vaso de Exéquias do séc. 6 a.C., eles esperam o sinal de partida para a batalha contra Tróia.
Ao jogar, Aquiles retira sua máscara. No primeiro texto desta pequena preciosidade de antiquário, Vom Ernst des Spiels (Da seriedade do jogo), o filósofo Franz Vonessen, nos lembra que “máscara” e “pessoa” tinham, na Antigüidade, o mesmo significado.
Em A teoria dos jogos em grupo, Bartel L. van der Waerden nos explica o trabalho do matemático húngaro-americano Johann von Neumann, que analisou jogos como o pôquer ou “pedra, papel, tesoura”, provando que quem tem uma estratégia que considera o acaso leva vantagem.
Jogo como metáfora
Dietmar Kamper encerra a coletânea com seu Spiel als Metapher des Lebens (Jogo como metáfora da vida). Relembrando a Gaia Ciência de Nietzsche, o filósofo berlinense retorna ao problema do pensar e do jogar.
Afastando da discussão sobre o jogo o debate entre racional e irracional, ele resume os textos apresentados como uma tentativa de mostrar que a vida real só é real quando pode ser representada em forma de jogo, onde o outro e o acaso são considerados.
Kamper reforça sua tese com vários exemplos da presença do jogo em nossa vida: o jogo de palavras, o jogo da língua, o jogo em grupo, o jogo do amor e o jogo infantil.
Sua atenção não recai na vida como jogo, como assim entendia a libertinagem do fim do século 19, mas no jogo como vida, em uma sociedade que, segundo o filósofo, tem que “atuar” porque não pode mais “brincar”.
Continue lendo: A história do jogo; no museu e não na rua; vida como jogo.
História do jogo
Trinta anos mais tarde, a atualidade do tema está sendo cada vez mais compreendida pelos téoricos da cultura. O Deutsches Hygiene-Museum de Dresden exibiu em 2005 a mostra Jogos. Na exposição, brinquedos, bonecos, telas, fotos e games, entre outros, documentam a história dos jogos desde a Antigüidade até a playstation.
Acompanhando a exposição, a editora Hatje Cantz, de Stuttgart, publicou o volume Spielen. Zwischen Rausch und Regel (Jogos. Entre a embriaguez e a regra), uma coletânea de textos e fotos da mostra de Dresden. O prólogo de Klaus Vogel, diretor do museu, nos confirma o que o título sugere: para os autores, o sério e o jogo são duas categorias distintas.
No museu e não na rua
Induktion statt Deduktion (Indução em vez de dedução), do arqueólogo Ulrich Schädler, diretor do Museu Suíço do Jogo, é um dos poucos textos que não tentam explicar porque o jogo não está na rua, mas no museu.
Analisando jogos tradicionais como o xadrez e os atuais videogames, Schädler concluiu que os últimos exigem um pensamento indutivo do jogador, que deve reagir a novas situações.
Segundo o arqueólogo, não se trata de ganhar o jogo, mas de perder menos – uma revolução na forma de ver o mundo, de agir e pensar. O que Schädler não mencionou é que este aspecto da relação jogo/mundo também foi compreendido pelos fabricantes de playstations e pelas Laras Croft da vida.
Vida como jogo
A vida, um jogo encerra a coletânea. Afirmando que todos os homens jogam, exceto aquele que sonha, o sociólogo Gerhard Schulze demonstra não ter lido Freud, quando este diz que o sonho lembrado não é o sonho sonhado.
Schulze encara o jogo como forma de apreender o mundo, ou seja, lhe dando novamente um propósito. A vida como um jogo. Em seu texto, Schulze não conseguiu reverter a estratégia dos marqueteiros, que tanto critica.