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Paralimpíada deixa saudades e legado incerto

Ronny Blaschke (md)19 de setembro de 2016

Os primeiros Jogos Paralímpicos da Améria do Sul foram um sucesso, encantaram os brasileiros e chamaram a atenção para atletas portadores de deficiência. Mas as consequências sociais do evento ainda são uma incógnita.

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Jefinho (à direita) é a estrela da seleção brasileira do futebol de cinco
Foto: picture-alliance/Back Page Images

Paralimpíada termina com linda festa e saldo positivo

E, mais uma vez, o público fica admirado. Jeferson da Conceição Gonçalves, com a camisa 7, conhecido como Jefinho, leva a bola nos pés. Ele toca para a esquerda, para a direita, para esquerda e chuta certeiro para o gol. Alguns espectadores ficam de boca aberta, a pipoca suspensa no ar. Eles não conseguem acreditar no que veem.

Jefinho ficou cego aos sete anos e joga bola desde os dez. E agora seus compatriotas o chamam de "Pelé Paralímpico". Enquanto Jefinho e a seleção brasileira de futebol de cinco (para deficientes visuais) ganhava o ouro no sábado, dezenas de milhares de pessoas passavam pelo Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. Eram grupos escolares, casais, três gerações inteiras de famílias.

Nas últimas duas semanas, os cariocas se tornaram fãs de muitos dos atletas paralímpicos, que dificilmente aparecem na mídia em outros momentos. Jefinho, o Pelé cego; Felipe Gomes, o velocista da comunidade carente; Antonio Leme, o inspirador jogador de bocha que sofre de paralisia cerebral. Vaias contra os adversários do Brasil, como ocorreu durante os Jogos Olímpicos, não foram ouvidas dessa vez.

Presidente do COI não apareceu

"Esta experiência terá efeitos de longo prazo", disse Philip Craven, presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês). "Esses Jogos Paralímpicos foram Jogos do povo." Cinco semanas atrás, havia a ameaça do cancelamento das Paralimpíadas, pois o Rio de Janeiro em crise precisava de todos os fundos para os Jogos Olímpicos. Mas os organizadores decidiram improvisar. Eles receberam mais um empréstimo de emergência, ofereceram bilhetes mais baratos e lançaram promoções. A venda de bilhetes saltou de 300 mil para mais de 2 milhões. Grandes delegações, como a da Austrália, adiantaram verba para apoio do financiamento de viagens ainda não pagas de pequenos países insulares. E logo ninguém mais reclamava de problemas de organização.

Talvez tivesse feito bem ao presidente do COI, Thomas Bach, assistir a estes Jogos de perto, mas, ao contrário de seus antecessores, ele não foi aos Jogos Paralímpicos. Bach negou que isso tivesse a ver com o escândalo de cambismo envolvendo Patrick Hickey. O membro irlandês do COI foi preso durante os Jogos Olímpicos e, por enquanto, não pode deixar o Brasil. A polícia também tem perguntas a fazer a Bach. A ausência dele indica ainda que existem tensões entre o COI e o IPC. Os comitês avaliaram de forma distinta, por exemploo, o caso do doping estatal russo. O COI deixou que a delegação russa participasse das Olimpíadas, o IPC excluiu completamente a Rússia dos Jogos Paralímpicos.

Philip Craven, presidente do PCI, criticou a ausência do presidente do COI nas Paralimpíadas
Philip Craven, presidente do PCI, criticou a ausência do presidente do COI nas ParalimpíadasFoto: picture-alliance/dpa/R.Vennenbernd

Série de recordes causa desconfiança

Philip Craven quis dar um exemplo na luta contra o doping. Mas este exemplo ficou relativizado após ser revelado que o IPC só realizou 1.500 coletas de urina e sangue na Rio 2016. Ou seja, sequer um terço dos 4.300 atletas foram controlados. Com isso, os excelentes desempenhos dos chineses, por exemplo, vêm acompanhados de bastante ceticismo. O país asiático domina o quadro de medalhas dos Jogos Paralímpicos desde 2004. No Rio, os chineses ganharam 237 medalhas, 105 de ouro.

Diversos recordes mundiais foram quebrados na Rio 2016. Na interpretação positiva: o esporte para pessoas com deficiência ainda está em desenvolvimento no que se refere a biomecânica e em aprendizagem de treino. Na interpretação negativa: manipulações poder ter entrado em jogo, as quais não puderam ser detectadas pelo limitado sistema de controle do IPC.

A violência nas favelas não parou

Estes números em breve deixarão de ter importância para os brasileiros. Logo o verão chega e, com ele, também os mosquitos e talvez o vírus zika. Muitos dos mais de 85 mil homens mobilizados para garantir a segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos estão agora descontando suas horas extras. O que isso significa para a violência entre traficantes nas favelas? Também durante os Jogos Paralímpicos ocorreram algumas mortes nesses lugares, especialmente no Complexo do Alemão, a poucos quilômetros do Estádio Olímpico.

Mesmo durante as Paralimpíadas foram registradas mortes nas favelas cariocas
Mesmo durante as Paralimpíadas, foram registradas mortes nas favelas cariocasFoto: Reuters/R. Moraes

Os organizadores acreditam em um legado positivo dos Jogos. Cerca de dois terços dos cidadãos têm agora acesso a novas linhas de metrôs e de ônibus. Elas beneficiam mais os cariocas da Zona Sul do que os da Zona Norte, mais pobre. O Estado do Rio de Janeiro ainda continua ameaçado de falência.

Quais são os efeitos a longo prazo que o custo dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos terão para os sistemas de saúde e educação? O Parque Olímpico da Barra deve se tornar um complexo esportivo e educacional regional para atender estudantes da rede pública e atletas de alto rendimento, totalmente sem barreiras de acessibilidade. Algumas instalações esportivas devem ser removidas do local.

"Há uma conexão entre o espírito Paraolímpico e o espírito carioca", disse o presidente do IPC, Philip Craven. Se Jefinho voltar a ser aclamado por seus dribles em 2020, Philip Craven terá razão.