Joias esquecidas
21 de agosto de 2011O sucesso do Festival Internacional do Filme Mudo, que se encerra neste domingo (21/08) em Bonn, surpreende até mesmo as expectativas mais otimistas. Nem o sol nem a chuva mantêm longe os fãs dos primórdios da arte cinematográfica. Quem chega atrasado, tem que assistir a sessão do lado de fora do pátio em arcadas da venerável Universidade de Bonn – um local de exibição pouco usual, no centro da cidade renana. A afluência do público prova, sem sombra de dúvida, que há muito o cinema mudo deixou de ser exclusividade de especialistas.
Por outro lado, deve-se justamente aos especialistas a possibilidade assistir hoje essas obras-primas precoces, quase um século após sua criação. Sobretudo porque sua restauração é extremamente trabalhosa e não desprovida de riscos à segurança.
A película de celuloide, utilizada inicialmente, além de ter decomposição rápida, é altamente inflamável: para que se incendeie, bastam 40ºC, e nem mesmo é necessária a presença de oxigênio. Assim, não era raro os estúdios e ateliês cinematográficos voarem pelos ares. Atualmente na Alemanha, esse material é até mesmo regulado pela lei de explosivos.
Trabalho arqueológico
O curador do Festival do Filme Mudo de Bonn, Stefan Drössler, também se ocupa do resgate das películas no Museu do Cinema de Munique. Segundo ele, estima-se que apenas cerca de um décimo da produção total do cinema mudo tenha sobrevivido.
Perdas tão grandes não se devem apenas à composição química do veículo das imagens, mas também ao fato de, durante muito tempo, o filme não ter sido considerado um bem cultural. Como a indústria precisava sempre lançar novas produções, via de regra as películas mais antigas eram irrevogavelmente destruídas, terminadas as exibições.
Todos esses fatores aumentam a felicidade quando ainda se conseguem encontrar, nas coleções e arquivos, tesouros considerados perdidos. A Nova Zelândia é uma fonte frequente para tais achados sensacionais: recentemente pôde ser desencavado lá White Shadow, estreia do mestre Alfred Hitchcock como roteirista.
Devido à grande distância em relação aos outros continentes, o país era geralmente o último na lista das distribuidoras. Muitos rolos ficavam simplesmente esquecidos lá, uma vez que as produções já haviam sido vistas em todo o resto do mundo. E o que sobrava era recolhido e guardado. Desse modo, muitos dos filmes que vêm à tona hoje em dia na Nova Zelândia não são assistidos por ninguém há mais de meio século.
Repertório vasto
Como bem sabem os frequentadores do festival em Bonn: o "filme mudo" não era, de fato, mudo. Desde o início, as sessões eram acompanhadas por narradores, pianistas, sonoplastas e orquestras. No Japão, por exemplo, um narrador, o benshi, apresentava a história aos espectadores. Mas também boa parte dos acompanhamentos musicais originais perdeu-se. E quando as partituras não mais estão disponíveis, é preciso compor novas músicas.
De início, o lançamento de um festival inteiramente dedicado ao cinema mudo, dentro do evento veranil Bonner Sommerkino, provocou ceticismo: logo não haverá mais nada de interessante para exibir, diziam alguns. Porém, a concepção continua provando-se bem sucedida: clássicos populares se misturam a perfeitos desconhecidos de todo o mundo, o público retorna com prazer.
"Ainda vamos poder mostrar muito filme mudo", promete Drössler. É bom lembrar: desde seus primórdios, a produção cinematográfica não se restringia à Europa Central e os Estados Unidos: também se filmava avidamente na Ásia, União Soviética e Escandinávia, entre outros lugares. O repertório do evento está longe de se esgotar – para alegria dos espectadores.
Autoria: Clara-Maria Hanses (av)
Revisão: Francis França