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Depois da Queda

3 de novembro de 2009

Ideia para projeto transnacional partiu do Instituto Goethe de Londres: festival com peças da Polônia, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Sérvia e Romênia busca expressão artística para a queda do Muro e suas consequências.

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Violência militar em 'Esperando os turcos'Foto: Zbigniew Bielawka

O Festival de Teatro Europeu After the Fall – Europa nach 1989 (Depois da Queda – Europa após 1989) começou um uma "longa noite teatral" no Staatsschauspielhaus de Dresden. Até 8 de novembro, oito peças contemporâneas estrearão naquela cidade do Leste alemão e em Mülheim an der Ruhr, na Renânia do Norte-Vestfália.

Segundo o diretor do teatro nacional de Dresden, Wilfried Schulz, trata-se de uma cooperação sem precedentes entre o Instituto Goethe, o Theaterbüro Mülheim an der Ruhr e a Central Federal de Formação Política (BPB) da Alemanha.

O escritor Friedrich Dieckmann abriu o evento com uma palestra, e a primeira peça apresentada foi Antidot (Antídoto), de Nicoleta Esinencu, da Moldávia. Após a estreia de Für alle reicht est nicht (Para todos, não basta), do alemão Dirk Laucke, seguem contribuições da Polônia, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Sérvia e Romênia, sempre no idioma original, com legendas em alemão. A temática proposta são as consequências da queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da Cortina de Ferro.

Flash-Galerie Goethe Institut Theaterstück Die Geschichte der Zukunft
Perspectivas terríveis em 'História do Futuro'Foto: Per Morten Abrahamsen

Ar envenenado

Você tem dez anos e a professora lhe bate com uma régua nos dedos. Você tem dez anos e toda semana tem que escrever uma carta de paz. Você tem dez anos e consegue desmontar e montar uma Kalashnikov em três minutos. Você sabe como colocar uma máscara contra gás em 0,01 segundo. E como se faz, com gaze, uma máscara de respiração.

Você tem dez anos e vive num Estado autoritário, onde nada mudou desde a queda do Muro de Berlim, desde o fim da ditadura: assim poderia continuar a acusação da moldávia Esinencu. Seu Antidot é uma obra sombria, uma diatribe veemente contra a violência estatal antes e depois da queda do Muro, contra a ameaça atômica e contra todo terror que nasce do combate ao terrorismo.

"[Na Moldávia], de fato, tudo está como antes, não temos uma democracia de verdade", afirma. Algumas coisas até pioraram: "Antes era tudo proibido. Agora as pessoas pensam que democracia significa 'nós podemos fazer tudo', podemos até matar alguém. É uma interpretação muito estranha de democracia. E é assim, não só no meu país, como em diversas ex-nações soviéticas".

A irada autora nascida em 1978 traça um trajetória muito pessoal, desde o genocídio nas câmaras de gás de Auschwitz, passando pela catástrofe nuclear em Tchernobil, até o suicídio no próprio fogão a gás. O veneno invisível se torna metáfora para a contaminação espiritual.

"Pode ser que, em vez de um antídoto, você só receba uma máscara com o tubo de respiração bloqueado", alerta a peça de Nicoleta Esinencu. E, quando os atores picham o palco com sprays e vapores corrosivos invadem as vias respiratórias dos espectadores, o tema se torna presente de forma opressiva.

Flash-Galerie Goethe Institut Theaterstück Für alle reicht es nicht
Náufragos da Reunificação em 'Para todos, não basta'Foto: David Balzer

Náufragos da Reunificação

O Instituto Goethe convidou 17 dramaturgos de 15 nações a escrever sobre as consequências da queda do Muro, dos quais sete foram selecionados para apresentação na Alemanha. A Staatsschauspiel Dresden é um local nobre para os jovens autores, dos quais poucos são conhecidos por um público maior no país, como o polonês Andrzej Stasiuk.

Entre eles, está o alemão oriental Dirk Laucke (1982) que em Para todos, não basta também julga o próprio país com dureza. Seus personagens são todos náufragos: Jo e Anna, que vivem de contrabandear cigarros, e Heiner, um ex-cidadão da Alemanha comunista que, na zona deserta próxima à fronteira com a República Tcheca, restaurou um velho tanque de guerra e sonha com os tempos militares.

Até que, certo dia, aparece um caminhão carregado de refugiados asiáticos e o conflito eclode. Os fidschis (jargão neonazista alemão para estrangeiros de origem oriental) têm que ir embora, argumenta Heiner. O alemão ocidental Jo chega a ter uma ponta de compaixão, mas no fim ambos acabam deixando os refugiados morrerem em seu caminhão. Os fracassados da Reunificação, que se percebem como vítimas, encontraram outras, ainda mais fracas.

A constelação humana experimental de Laucke é apelativamente exagerada. Segundo o autor, acima de tudo a queda do Muro "levou uma multidão em direção à merda nacional": "O orgulho nacional reavivado e o desejo de ser alemão são cada vez mais consenso nacional".

Flash-Galerie Goethe Institut Theaterstück After the Fall
'Antídoto' fala de ameaças invisíveisFoto: Florin Tabirta

Surpresa do Oeste

A ideia para o projeto transnacional partiu justo do extremo noroeste da Europa. Claudia Amthor-Croft, responsável pelos programas culturais do Instituto Goethe em Londres, buscava uma expressão artística para o tema "queda do Muro".

Ela comenta que várias contribuições inesperadas vieram precisamente de dramaturgos da Europa Ocidental. "Fiquei surpresa com eles procurem um acesso próprio à temática da migração, à problemática das fronteiras e à globalização."

Claro está que a queda do Muro de Berlim cria mal-estar também no Ocidente. O dinamarquês Christian Lollike, que participa do festival com Fremtidens historie (A história do futuro), conta que, após o evento histórico de 1989, as pessoas acreditavam otimisticamente em "um mundo".

"Mas quando todas a fronteiras possíveis caíram, de repente ficamos com medo e constatamos que somos uma sociedade de mentalidade estreita, que não quer impulsos de fora", resume o autor nascido em 1973.

Autora: Aya Bach/Augusto Valente
Revisão: Rodrigo Rimon