Judeus franceses no impasse entre emigrar e permanecer
12 de janeiro de 2015Segundo estatísticas do Congresso Judaico Europeu, há anos aumenta o número de atentados antissemitas na França: desde o início do século, eles se tornaram sete vezes mais frequentes, e o ataque da última sexta-feira em Paris é um lamentável clímax dessa tendência.
Em 2012, um fundamentalista islâmico matou quatro pessoas numa escola judaica em Toulouse, no sul do país. Desde então, o estudante de farmacologia David Boukobza, do bairro parisiense de Marais, só traz seu quipá, a cobertura de cabeça judaica, escondido sob um chapéu ou gorro.
"Nós, judeus, sabemos que somos um alvo especial. O governo não tem como frustrar esses planos de atentado quando se trata de criminosos isolados, de lobos solitários. Não há como nos proteger de verdade", comentou à DW.
O presidente do Conselho das Instituições Judaicas na França, Roger Cukierman, que esteve entre os milhões da marcha de homenagem do domingo, concorda, e resume o clima geral em uma frase: "Estamos numa situação de guerra."
"Judeu" é insulto
Há bastante tempo as associações semitas da França vêm exigindo mais proteção por parte de Estado, combate mais decidido ao antissemitismo e melhor acesso à educação, em especial para os jovens de famílias muçulmanas.
Em dezembro de 2014, Cukierman já advertia quanto a um agravamento da situação, em diversas entrevistas. Na época, no subúrbio de Creteil, em Paris, três rapazes haviam atacado, maltratado e exigido dinheiro de um casal semita.
"A palavra 'judeu' é um insulto nas escolas da República. Isso é muito grave", criticara em entrevista à emissora BTMTV. A grande maioria dos cerca de 5 milhões de muçulmanos do país são pacíficos, é claro, mas há desdobramentos preocupantes, ressalta o representante máximo dos judeus do país.
Os sociólogos identificam um tipo de islamismo militante muito popular, que esbarra no interesse sobretudo dos homens jovens. "Entre os rapazes de famílias de imigrantes, há alguns que despejam tudo verbalmente. A internet possibilita iniciar ofensivas de forma totalmente anônima. Ela cria uma atmosfera em que tudo parece permitido", apontou Cukierman.
Falhas das instâncias de segurança
Como uma das provas do antissemitismo crescente no país, muitos judeus apontam a popularidade do "humorista" Dieudonné, abertamente hostil. Ele atualmente responde a inquérito por ter expressado simpatia pelos terroristas que em 7 de janeiro mataram 12 pessoas diante e na redação do semanário satírico Charlie Hebdo.
Não é acaso que seja oriunda da França a maior parte dos jovens radicalizados que viajam da Europa para Síria, a fim de se associar com o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI). Jonathan Bibas, frequentador da sinagoga de Marais, acusa o Estado francês de ter feito vista grossa durante tempo demais.
"Houve sérias omissões na segurança. Os serviços secretos não fizeram o trabalho deles. Os Estados Unidos e Israel forneceram indícios sobre os terroristas, mas eles não foram investigados. O governo precisa fazer mais para que a comunidade judaica possa se sentir segura."
Convite aberto de Netanyahu
Ao falar na Grande Sinagoga da capital francesa, neste domingo, após a marcha de luto, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, conclamou inequivocamente todos os judeus da França a emigrarem para seu país.
"Os judeus que queiram vir para Israel serão recebidos de braços abertos, com toda a nossa cordialidade. Eles não estarão chegando a um país estranho", prometeu, sob grande aplauso, na casa de oração.
De acordo com a Jewish Agency of Israel, aproximadamente 500 mil judeus vivem na França. No ano passado, 7 mil deles emigraram para Israel, o dobro de 2013, e neste ano espera-se até que a cifra alcance os 10 mil – isso sem contar os judeus franceses que vão para o Canadá ou os Estados Unidos.
Nem todos deixam a terra natal devido ao antissemitismo, a crise econômica também é um fator. Mas, mesmo após o ataque ao mercado kosher, que custou quatro vidas, apenas poucos judeus expressam abertamente a intenção de voltar as costas à França. Embora vez por outra considerem a possibilidade, comenta Boukobza.
"Eu adoro Paris, amo meu país e estas ruas aqui", comenta, gesticulando em direção ao bairro de Marais. "Esta é a minha vida, mas lá no fundo há a ideia de que um dia eu talvez tenha mesmo que ir."
Ainda patrióticos
O governo francês vai tentando abafar o incipiente debate sobre ir ou ficar. Em resposta ao convite de Netanyahu, o primeiro-ministro Manuel Valls prometeu que novas leis antiterrorismo entrarão em vigor, enfatizando que uma França sem judeus não é mais a França "que conhecemos e que queremos".
Tanto o chefe de governo como o presidente François Hollande têm se esforçado, nos últimos dias, em condenar decididamente toda forma de antissemitismo e anunciaram medidas concretas. Para alguns representantes judaicos, isso pode restabelecer a confiança perdida.
Durante a passeata do domingo em Paris, entre cartazes de "Eu sou Charlie, judeu e policial", uma opinião que se escutou com frequência foi: se os judeus deixarem o país, os terroristas venceram.
O aplauso entusiástico às palavras do premiê israelense na Grande Sinagoga, por outro lado, revela uma grande insegurança entre os judeus da França. No entanto, quando Netanyahu subiu à tribuna, os judeus presentes se mostraram patrióticos, entoando o hino nacional francês, A Marselhesa. O político conservador sorriu sem jeito, sem saber como reagir.
Seja como for, as vítimas judaicas do atentado terrorista não permanecem em Paris: atendendo ao pedido das famílias, elas serão sepultadas em Jerusalém e não na França, comunicou o gabinete do primeiro-ministro Netanyahu em Tel Aviv.