Julgamento de estupradores coloca sociedade indiana em xeque
3 de janeiro de 2013Sob pesadas medidas de segurança, começou nesta quinta-feira (03/01) na capital indiana, Nova Déli, o processo contra os presumíveis autores do estupro de uma estudante na noite de 16 de dezembro de 2012, que resultou na subsequente morte da jovem. Além de violência sexual e homicídio, os cinco homens são também acusados de sequestro e latrocínio.
Crime hediondo
Os autos da acusação abarcam mil páginas. Para seu relato minucioso e detalhado, a promotoria se baseou principalmente no depoimento da vítima e do namorado que, pouco depois das 21 horas, a acompanhava até em casa, após uma ida ao cinema.
O documento descreve como o jovem casal foi atraído pelos agressores para um ônibus particular, que de súbito tomou um rumo diferente do combinado. Quando os homens bêbados começaram a molestar sexualmente a moça de 23 anos, o namorado tentou protegê-la e foi espancado com uma barra de ferro.
Um após o outro, os réus estupraram a estudante e a torturaram brutalmente com a barra enferrujada. Depois de quase uma hora de violência, roubaram os pertences do casal e os atiraram, seminus e sangrando, para fora do veículo em movimento. Há indícios de que eles também tenham tentado atropelar os dois.
Justiça em cem dias
A jovem morreu no último sábado, por falência múltipla dos órgãos, num hospital especial em Cingapura. Ela sofrera severas lesões cerebrais, e todo o seu intestino teve que ser retirado, em três operações consecutivas. Os médicos que a atenderam também se encontram entre as 30 testemunhas convocadas para o julgamento.
O crime abalou a Índia e desencadeou protestos violentos. Diante da ira popular, o governo prometeu que o inquérito estará concluído num prazo de cem dias. Especificamente para esse fim, foi instalado um tribunal onde se realizarão audiências até sete dias por semana. No entanto, comentam observadores, trata-se de uma meta ambiciosa num país como a Índia, onde os moinhos da Justiça costumam moer de forma penosamente lenta.
Por isso, o presidente da Corte Suprema do país, Altamas Kabir, alertou: "Temos que cuidar para não sermos arrastados pelas emoções. Não podemos ter um processo rápido em detrimento de um processo justo". Calcula-se que haja, atualmente, cerca de 40 mil casos de violência sexual pendentes nos tribunais indianos.
Os acusados
Seis homens foram detidos após o crime e identificados pelo namorado da vítima. Além disso, no corpo da estudante foram encontrados traços de esperma e tecido epitelial, utilizados para análises de DNA. Um dos suspeitos teria apenas 17 anos de idade, e responde a processo diante de um tribunal de menores, enquanto se aguarda o resultado de exame ósseo para comprovar sua idade real.
Segundo a polícia, o líder do grupo seria Ram S., de 35 anos, natural do estado do Rajastão. Viúvo, ele é descrito como alcoólatra e brigão pelos vizinhos de Ravi Dass Camp, uma favela em Déli Sul. Seu irmão Mukesh, de 26 anos, também estaria implicado.
Os demais indiciados são o vendedor de legumes Pavan G., de 19 anos, o instrutor de fitness Vinay S., de 20 anos, e o ajudante da empresa de transporte Akshay T., de 28 anos, originário de Bihar, um dos estados mais pobres da Índia. Segundo consta, após o ato criminoso, foi ele quem tentou limpar o veículo e os assentos, e queimar os pedaços de roupas da vítimas.
Discussão sobre a pena capital
O direito penal indiano prevê a prisão perpétua como pena máxima para estupro. Em caso de assassinato e em circunstâncias excepcionais devidamente justificadas, pode ser aplicada a pena de morte, mas tal só ocorre muito raramente.
A execução mais recente, em novembro de 2012, foi a do único autor sobrevivente do atentado de Mumbai, Mohammad Ajmal Kasab. Antes dele, Dhananjoy Chatterjee, que violentara e matara uma menina de 14 anos, foi condenado à forca em 2004.
Devido ao número constantemente crescente de estupros no país e do caráter hediondo do ato, muitos indianos exigem a pena capital para os presumíveis autores dos crimes de 16 de dezembro.
O advogado Prashant Bhushan, atuante desde 1983 na Corte Suprema de Nova Déli, vê as exigências com ceticismo. "Quando se examina o crime, segundo a lei ele pode ser considerado caso de exceção especialmente grave, e ser pronunciada a pena de morte." No entanto, em princípio ele é contra a pena capital, por crer que ela não faz sentido como método de intimidação.
"Através da pena de morte, aumenta a cultura da violência dentro de uma sociedade. Uma execução, matar uma pessoa, é uma forma de vingança e de violência do Estado."
Direitos femininos
Ativistas dos direitos humanos e a imprensa da Índia pleiteiam uma mudança radical. Para eles, a jovem morta, cuja identidade é mantida em sigilo, é uma heroína e uma figura simbólica na luta por mais direitos das mulheres.
O primeiro-ministro Manmohan Singh nomeou duas comissões de inquérito. Uma examina as falhas nas investigações do caso de estupro e morte, enquanto a outra elabora sugestões pelo fim da discriminação contra as mulheres na Índia.
Bhushan teme que em breve as promessas do governo caiam no esquecimento. Os indianos perderam a confiança na política e na polícia, aponta o advogado. "Um juiz disse certa vez que a polícia da Índia é a maior associação do crime organizado no país." Agora, a política, a polícia e a Justiça precisam se empenhar para reconquistar essa confiança perdida.
Autoria: Priya Esselborn (av)
Revisão: Francis França