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Escândalo na Volkswagen

Geraldo Hoffmann17 de janeiro de 2007

Julgamento de ex-diretor de Recursos Humanos da Volkswagen, envolvido no escândalo da maior montadora da Europa, retrata a ascensão e queda do ex-executivo e revela a perversa lógica do "sistema Volkswagen".

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Ex-executivo Peter Hartz chega para o julgamentoFoto: AP

"Quanto mais alto o vôo, maior o tombo." Este verso de uma canção de Geraldo Azevedo sintetiza bem a carreira do ex-diretor de Recursos Humanos da Volkswagen Peter Hartz, que nesta quarta-feira (17/01) admitiu em julgamento no Tribunal Regional de Braunschweig, na Baixa Saxônia, ter sido um "iniciador" do escândalo de corrupção na montadora.

Ele foi acusado em 44 casos de "desvio e pagamento de bônus especiais" no valor de 2,6 milhões de euros ao ex-presidente do conselho de empresa, Klaus Volkert. Inclusive a ex-amante de Volkert, a brasileira Adriana Barros, teria sido beneficiada com 390 mil euros (veja links abaixo).

"Sistema VW"

As investigações que levaram Hartz ao banco dos réus revelaram as entranhas do chamado "sistema VW", que aparentemente servia de ponte entre o capital e o trabalho. A essência deste sistema foi descrito com precisão pelo jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung.

Klaus Volkert verhaftet
Klaus Volkert, figura-chave do escândaloFoto: picture-alliance/ dpa

"À noite, Klaus Volkert, líder sindical e co-executivo, e Peter Hartz, executivo e sindicalista – ambos ligados ao Sindicato dos Metalúrgicos (IG Metall) – bebiam cerveja juntos. Na manhã seguinte, encenavam um conflito trabalhista. "Eles levaram a conciliação entre capital e trabalho na Volkswagen ao extremo que culminou no processo judicial", escreveu o semanário.

Visionário de Wolfsburg

Nascido em 1941 em Sant Ingbert, o filho de metalúrgico Peter Hartz foi contratado pela Volks em 1993 para um cargo que já ocupara na Dillinger Hütte e Saarstahl AG, no Estado do Sarre: o de diretor de Recursos Humanos. Junto com Volkert e o então presidente do grupo, Ferdinand Piech, formou o "triângulo mágico" de Wolfsburg.

A primeira tarefa de Hartz foi solucionar uma grave crise da montadora, que tinha um excesso de 30 mil funcionários no quadro total de 100 mil à época. Para acobertar o problema e evitar demissões, Hartz criou a semana de quatro dias (jornada semanal de 28 horas) e o emprego de 5000 trabalhadores por 5000 marcos.

"Farei todos vocês ficarem ricos", prometeu aos operários. Pelo menos em relação a Volkert ele cumpriu esta promessa. Segundo as atas do processo de Braunschweig, em 2005 o representante dos funcionários na co-gestão da empresa recebeu 612 mil euros de salário bruto. Só os bônus especiais teriam somado 290 mil euros ao ano.

"Salvador da pátria"

Bundeskanzler Gerhard Schröder, rechts, und Peter Hartz
Hartz (e) com Schroeder: no auge da carreiraFoto: AP

As inusitadas receitas de Hartz impressionaram tanto as lideranças do Partido Social Democrata, do qual é filiado, que seu amigo, o também ex-diretor da Volks e então chanceler federal alemão Gerhard Schröder, o nomeou para presidir a comissão de reforma do mercado de trabalho.

A meta era reduzir à metade o desemprego na Alemanha, que atingia 5 milhões de pessoas, e, por tabela, salvar o governo da coalizão social-democrata-verde em Berlim.

O resultado, a Reforma Hartz, foi apresentado com muito estardalhaço em Berlim em 2002. Era o auge da carreira do executivo, que por pouco não virou ministro. Mas sua "bíblia para o mercado de trabalho", que fundiu o seguro-desemprego com a ajuda social, também gerou protestos de rua no Leste alemão e continua polêmica até hoje.

Queda livre

Três anos depois de transitar no topo do escalão político em Berlim, Hartz entrou em queda livre ao ser envolvido no escândalo de corrupção da Volkswagen. Em agosto de 2005, renunciou ao cargo de diretor de Recursos Humanos da montadora.

Durante as investigações e agora no banco dos réus, Hartz admitiu ter "autorizado e feito pessoalmente" os pagamentos extras a Volkert. A confissão também teve o propósito de encurtar o julgamento. Ele evitou assim constrangimentos que poderiam vir de depoimentos sobre as chamadas "viagens de lazer".

Dinheiro, poder e sexo parecem ter sido os combustíveis do "sistema Volks", que funcionou durante mais de uma década, sob forte influência de Hartz, que, na avaliação da imprensa alemã, teve o maior "tombo" já sofrido por um executivo na história do empresariado alemão.

Pena branda e biografia

Teoricamente, o crime cometido por Hartz poderia render até cinco anos de cadeia. Por ser réu confesso, cumprirá uma pena branda, provavelmente de dois anos, em liberdade condicional, prevêem analistas.

De volta ao aconchego da bucólica Sant Ingbert, Hartz pretende concluir sua biografia, com o título Poder e Impotência, a ser publicada em março próximo. Em Braunschweig, continuará uma série de julgamentos de outros envolvidos no caso.

Segundo o semanário Rheinischer Merkur, a chave para entender por que o "extraordinário" executivo arriscou o emprego, a carreira e a fama para beneficiar o amigo Volkert com algumas centenas de milhares de euros por ano foi fornecida pelo próprio Hartz. O suborno fazia parte do "sistema VW", teria dito aos investigadores.

Quem paga a conta?

Uma questão que continua em aberto é a dimensão do dano que o escândalo causou à empresa. Na opinião do Süddeutsche Zeitung, talvez o dinheiro do suborno até tenha sido bem aplicado. "Porque cada dia de paz trabalhista vale muito", escreve o jornal.

Na opinião do Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung, a conciliação entre capital e trabalho em Wolfsburg beneficiou não só a Volks, mas também a cidade e os funcionários. Com a aura de um executivo todo-poderoso, Hartz "sonhou com um mundo só de ganhadores. Agora pagou a conta na Justiça. Mas quem paga a conta na Volks?", pergunta o jornal.