"Julgamento de Saddam serve à sociedade iraquiana"
19 de outubro de 2005O processo contra o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein foi adiado para 28 de novembro, após três horas de audiência em Bagdá. O tribunal atendeu assim a um pedido dos advogados de Hussein. Juntamente com seus colaboradores mais próximos, ele é acusado pela morte de 143 xiitas em 1982, crime de que se declara inocente.
A DW-WORLD entrevistou Helmut Kreicker – diretor de um projeto do Instituto Max Planck sobre direito estrangeiro e internacional – a respeito da importância desse processo.
DW-WORLD: Sr. Kreicker, o que espera do Tribunal Especial para os Crimes do Regime, criado em 2003, diante do qual Saddam Hussein comparecerá?
Helmut Kreicker: Com suas sentenças, o tribunal contribuirá muito para a conciliação no Iraque, pois define juridicamente a culpa pelos crimes cometidos. Isso é tremendamente importante no desenvolvimento do Iraque, é comparável à importância dos julgamentos de Nurembergue para a Alemanha do pós-guerra. Esses processos mostraram que há responsabilidade individual nos crimes, e que não foram fruto do destino. Uma definição jurídica é também eficiente para evitar revisionismo histórico tardio. A sentença não visa reformar os criminosos, mas sim servir à sociedade.
Para que se deve atentar, ao criar um tribunal dessa ordem?
Para a construção do Tribunal Especial é sobretudo importante que a base de legitimação seja ampla. Sua função mais importante é satisfazer a sociedade iraquiana. Aqui está uma pequena falha desse tribunal, que é não haver sido instituído pelo governo soberano iraquiano, mais sim por uma força de ocupação. Porém do ponto de vista do direito internacional, não há qualquer problema. Contudo a aceitação de suas decisões depende de como realizará seu trabalho.
Como o direito internacional vê o Tribunal Especial iraquiano?
Trata-se de uma corte nacional exlusivamente iraquiana, deliberando com base no direito internacional. Haveria a alternativa de um tribunal internacional designado pelas Nações Unidas, ou de um tribunal nacional com o apoio da ONU. Porém este não é o caso.
A insistência dos iraquianos na pena de morte impediu o recurso a um tribunal internacional?
Os iraquianos exigiram, sim, a pena capital, e também por esse motivo não foi possível sua articulação com a ONU. Porém em primeira ordem foram os norte-americanos a impedirem uma corte internacional, em especial sendo organizada pelas Nações Unidas. Por outro lado, teria sido necessário um trabalho de persuasão mais intenso, estipulando a prisão perpétua como pena máxima para o tribunal.
Somente juristas iraquianos podem tomar parte da corte. Isso é um problema?
Um tribunal nacional composto apenas por juristas iraquianos tem vantagens e desvantagens. Uma vantagem é que a população não terá tão facilmente o sentimento de que "forasteiros estão deliberando sobre nós". Como o direito penal internacional tem caráter fortemente americano-europeu, o nível de aceitação para uma sentença de juízes vindos desse meio cultural talvez não fosse tão elevado. Ao mesmo tempo, é claro que há o perigo de não se haver encontrado juristas suficientemente qualificados e independentes. É provável que só posteriormente se constate que alguns dos membros do tribunal já haviam servido ao partido Baath, de Saddam Hussein. Isso seria perigoso para a legitimidade. Além disso, há o problema de que os juristas iraquianos possivelmente não sejam grandes experts em direito internacional. Mas pode haver, o estatuto do tribunal permite, conselheiros externos.
Qual o significado do tribunal para além do Iraque?
Pode-se situar o tribunal do Iraque numa clara linha de desenvolvimento do direito internacional, dos processos de Nurembergue até nossos dias. Um ponto muito interessante: os norte-americanos – que rejeitam o Tribunal Penal Internacional, em si –, copiaram a base deste – o Estatuto Romano – como matriz, por assim dizer, para a corte no Iraque. O Instituto Max Planck comparou os dois. A conclusão é que os EUA não refutam o direito penal internacional com tanta veemência como sempre parece. Eles só não querem ter que responder por seus atos com base no direito internacional. O que mostra que este último é atualmente reconhecido em escala internacional. Assim, governantes podem ser processados com base num "direito mundial", independente de seus crimes serem puníveis ou não segundo o direito nacional então vigente.