Kant iluminou a filosofia para a modernidade
12 de fevereiro de 2004Se há um livro que marcou época, foi Crítica da Razão Pura, que Immanuel Kant publicou aos 57 anos, em 1781, quando já era catedrático em Königsberg. A cidade da Prússia Oriental, em que ele nasceu em 22 de abril de 1724, é hoje o território russo de Kaliningrado, entre a Polônia e a Lituânia.
No início, ninguém percebeu a importância da obra. Consta que o filósofo berlinense Moses Mendelssohn, que deveria escrever uma resenha, teria deixado de lado o livro, irritado com as frases difíceis de Kant. Somente seis meses depois ela foi publicada, demonstrando que Mendelssohn não havia entendido bem a obra de 856 páginas.
Com isso fica claro que Kant não é assunto para leigos e o estilo pesado de seu alemão sempre assustou potenciais leitores, além de levar tradutores à beira de um ataque de nervos.
As três questões que interessaram Kant
Talvez isso explique a demora para que a obra com implicações para a metafísica, a epistemologia e a ética tivesse o devido reconhecimento. Arthur Schopenhauer (1788-1860) referiu-se à publicação como "o livro mais importante já escrito na Europa". A modernidade na Europa laicista começa com Kant.
Sua filosofia procura resposta para três questões: O que eu posso saber? O que eu devo fazer? E o que eu posso esperar?. A cada uma ele dedicou um livro: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica da Faculdade de Julgar, embora a questão da esperança também seja tratada em seus escritos sobre história e religião.
O conhecimento e seus limites
Só se chega ao conhecimento através da análise crítica, que brota da própria razão. Isso inverte a concepção de que objetos externos poderiam ser percebidos como tal. O conhecimento, para Kant, não é mero reflexo dos objetos, ele parte do sujeito, da mente humana que produz a imagem das coisas e as organiza para explicar o universo.
Com isso, Kant criou a base para o "idealismo alemão", o ápice da filosofia alemã, com seus expoentes J.G. Fichte, F.W.J. von Schelling e G.W.F. Hegel. Em sua análise, Kant chega também aos limites do conhecimento. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Ou seja, só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si.
Nesse sentido, só abarcamos conhecimentos matemáticos e científicos, pois não somos capazes de conhecer Deus — que pertence ao nível das "coisas em si" — ou de nos adentrar nas questões metafísicas.
Como agir, a razão prática
Em Crítica da Razão Prática, o filósofo indica como agir corretamente: "Age de maneira tal que a máxima de tua ação sempre possa valer como princípio de uma lei universal." Assim ele definiu o seu "imperativo categórico", a norma kantiana de comportamento.
O ser humano só age com autodeterminação se é guiado pela moral e a razão, e não pelos instintos, os sentidos, as necessidades ou inclinações. A liberdade, que para ele era a base da moral, não significa a queda de todas as barreiras, mas sim a obediência à regra moral ditada pela própria consciência.
Quem ajuda os amigos, age conforme a moral. Mas aquele que ajuda exclusivamente seus amigos, ficando indiferente às dificuldades dos demais, fere a moral. Daí deriva uma responsabilidade social que não faria mal recordar na era da globalização.
Kant diria "não" à guerra do Iraque
Em seus textos filosóficos sobre história e política, em parte inspirados na Revolução Francesa (1789), Kant aborda a esperança em relação à liberdade exterior e ao Direito. A discussão em torno da legitimidade da guerra do Iraque demonstra a atualidade de seu livro Ensaio Filosófico sobre a Paz Perpétua, de 1795:
"Nenhum Estado deve se imiscuir por meio da violência na constituição e no governo de outro Estado", escreveu o filósofo de Königsberg. Kant prega a divisão de poderes, uma base legal de convivência entre os povos e uma liga mundial de nações em prol da paz — ideais que só se concretizaram plenamente no século 20, com a criação das Nações Unidas.
A importância de Kant, contudo, reside em haver mudado radicalmente os conceitos e as perspectivas da filosofia. Como tal, pode ser considerado o maior filósofo alemão do Iluminismo (Aufklärung) europeu. Kant seguiu fielmente sua própria máxima: "Tenha coragem de usar sua própria razão." Ao apontar os limites da razão pura, elevou o pensamento a um nível superior, de clareza e reflexão.
Kant morreu no dia 12 de fevereiro de 1804 em Königsberg, aos 79 anos.