Kiev perdeu guerra midiática no leste da Ucrânia
20 de fevereiro de 2015O conflito entre separatistas pró-Rússia e o Exército de Kiev no leste da Ucrânia já custou milhares de vidas. Mas a guerra com tanques e armas nas regiões de Donetsk e Lugansk não teve início nas estepes ucranianas, mas em outro campo de batalha. Começou como uma guerra pela mente das pessoas e pela maneira como interpretariam os acontecimentos.
Há um ano, o movimento pró-Ocidente da Praça da Independência (Maidan), em Kiev, comemorava uma vitória. Depois de meses de protestos que culminaram em conflitos com a polícia e mortes, em 21 de fevereiro de 2014 chegou-se a um acordo entre a oposição e o então presidente, Viktor Yanukovitch. Na mesma noite, o líder pró-Rússia fugiu do país.
Naquele fevereiro de 2014, a televisão russa era transmitida em toda a Ucrânia. Ela era a principal fonte de notícias para a população do leste do país, segundo sondagens.
"A mídia russa começou a relatar sobre uma divisão da Ucrânia muito antes dos eventos na Praça de Independência e no leste da Ucrânia", afirma Diana Duzyk, diretora-executiva da ONG Telekrytyka (crítica de televisão). Segundo ela, a Ucrânia ignorou esse fato por muito tempo.
A revolução em Kiev foi vista por muitos ucranianos através das lentes da televisão russa: como um golpe orquestrado pelo Ocidente e executado pelos ucranianos ultranacionalistas.
"Houve uma influência venenosa tanto da mídia pró-Rússia na Ucrânia, como das mídias da Rússia na Ucrânia", ressalta Andreas Umland, especialista do Instituto de Cooperação Euroatlântica, de Kiev. Essa retórica serviu de base para o apoio ao separatismo na Crimeia e na bacia de Donetsk, diz.
Volodymyr Kipen, sociólogo de Donetsk que hoje vive em Kiev, confirma a afirmação. Ele diz que a influência dos meios de comunicação russos no leste da Ucrânia estabeleceu por um longo período de tempo a base para a aceitação da atual interferência russa na região.
Muitas vezes, jornalistas russos misturaram realidade e ficção em suas coberturas dos fatos na Ucrânia. Um dos noticiários russos afirmou, por exemplo, que os novos governantes em Kiev haviam proibido o uso da língua russa, o que não era verdade.
Além do mais, a imprensa russa divulgou relatos segundo os quais ucranianos extremistas de direita eram um perigo para o leste da Ucrânia. Mas o fato é que não houve um levante dos extremistas de direita, como alertou a mídia.
Umland acusa os meios de comunicação russos de distorcerem a realidade. De fato, havia grupos de extrema-direita nos protestos na Praça da Independência, mas seu significado foi sobrevalorizado, avalia. Em eleições presidenciais e legislativas antecipadas, os nacionalistas ucranianos acabaram angariando pouquíssimos votos.
Dilema de Kiev
No leste da Ucrânia, as sementes da suspeita parecem ter caído em solo fértil. Em abril de 2014, cerca de 70% da população na região de Donetsk disse ver a mudança de poder em Kiev como um golpe de Estado organizado pelo Ocidente, segundo uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Em Lugansk, 61% compartilhavam dessa opinião. Quase um quinto dos entrevistados estava disposto a dar as boas-vindas aos soldados russos.
O novo governo ucraniano reconheceu o perigo. No final de março de 2014, um tribunal de Kiev proibiu a transmissão de quatro canais de televisão russos na Ucrânia. Mas muitos outros ficaram. Somente em setembro de 2014, seis meses após o início do conflito no leste ucraniano, o órgão regulador da mídia no país impediu a transmissão de 15 canais de TV russos.
Duzyk fala na existência de um dilema. "Tentamos ser democráticos e estamos diante de uma decisão muito difícil, entre a liberdade de expressão e de segurança da informação", diz a especialista. Ela considera correto o desligamento dos canais russos. "Não são meios de comunicação, mas de propaganda", afirma.
Mas, na opinião de Duzyk, Kiev reagiu tarde demais. Os separatistas pró-Rússia agiram rapidamente, desativando canais de TV ucranianos e ativando russos.
"Quando os separatistas assumiram o controle das últimas torres de televisão, ficou claro que a influência da Ucrânia sobre a informação propagada na região era quase zero", completa Kipen. Para o sociólogo, em meados do ano passado já era visível que Kiev havia perdido a batalha pelas mentes de muitos cidadãos do leste ucraniano.