Kirill Petrenko e a discreta busca da perfeição musical
22 de junho de 2015Perfeccionismo e efusividade no pódio, reserva e discrição fora da sala de concertos: esses dois extremos de comportamento saltam aos olhos ao se traçar um perfil do novo titular da Filarmônica de Berlim: o russo Kirill Petrenko, um maestro que prefere deixar a música falar.
Assim, soa especialmente apropriado seu comentário, divulgado pela orquestra, ao saber da escolha: "Não há como expressar em palavras o que se passa dentro de mim, em termo de sentimentos: da euforia e grande alegria ao assombro e dúvida – tem de tudo."
Nascido em 1972 em Omsk, na Sibéria, filho de um violinista profissional e de uma musicóloga, ele começou a estudar piano desde pequeno, dando seu primeiro concerto aos 11 anos de idade e concluindo o curso com louvor.
Em 1990 a família emigrou para o estado austríaco de Vorarlberg, onde o pai passou a tocar na orquestra sinfônica local. Depois de estudar na Universidade de Música e Artes Cênicas de Viena, Kirill completou sua formação de regente com músicos do porte de Myung-Whun Chung, Edward Downes, Péter Eötvös e Semyon Bychkov.
Com um pé no teatro
Desde logo, a carreira do jovem regente esteve ligada ao teatro. Sua estreia no pódio foi em 1995, em Vorarlberg, com uma produção da obra infantil Let's Make an Opera, do inglês Benjamin Britten. De 1997 a 1999 foi mestre de capela da Volksoper de Viena.
Em 2001, como diretor musical geral do Meininger Theater, na região alemã da Turíngia, Kirill Petrenko regeu as 16 horas da tetralogia operística O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner, em quatro récitas consecutivas.
De 2002 a 2007, assumiu a direção musical da Komische Oper de Berlim, e, em 2013, a da Bayerische Staatsoper de Munique. Sua arrancada para o primeiro escalão do mundo musical se deu no ano seguinte, quando regeu O Anel do Nibelungo em Bayreuth, o templo da ópera wagneriana.
Competição respeitável
A eleição, a partir de 2018, como líder de uma das orquestras mais prestigiosas do mundo, na sucessão direta de Herbert von Karajan, Claudio Abbado e Simon Rattle, representa um ápice absoluto na trajetória profissional do russo de 43 anos.
Fundada em 1882, a Filarmônica de Berlim é uma das poucas que escolhem seu próprio titular. Em maio, o grêmio formado pelos 127 músicos com direito a voto debateu durante quase 12 horas o sucessor de Rattle, sem chegar a um resultado.
Há versões contraditórias sobre se Petrenko, que antes só regera os berlinenses por três vezes, estaria desde o início, ou não, entre os candidatos mais cotados à direção da orquestra. Seja como for, tudo leva a crer que, na rodada deste 22 de junho de 2015, a decisão do grêmio foi relativamente fácil: em apenas três horas o russo se impôs diante da forte competição, que incluía Christian Thielemann, Andris Nelsons e Gustavo Dudamel.
Música acima de tudo
Com um currículo tão alentado, surpreende que a discografia de Kirill Petrenko não vá além de uns poucos concertos de piano e da pouco conhecida ópera Palestrina, de Hans Pfitzner.
Lacônico por natureza, há alguns anos ele resolveu suspender inteiramente as entrevistas. E, no momento, quem procurar um "kirill.petrenko.com" ou similares, vai igualmente dar com a cara na porta. "Falar não adianta nada, só custa tempo", é a sua filosofia pessoal.
Em vez de se promover, o russo prefere se concentrar no trabalho com os músicos, atividade em que já é legendária a sua discreta procura da perfeição. Portanto, de olho na música, a Filarmônica de Berlim parece ter escolhido bem.
Depois do egocêntrico Karajan, seus carros de luxo e suas mulheres, do carismático Abbado e de Rattle, com sua cabeleira espetacular e o aguçado instinto de marketing que tanto beneficiou a orquestra na última década, Kirill Petrenko se anuncia como um raro antiastro do pódio. Alguém que, nesta era de explosão midiática dos egos, se retrai como celebridade para se dedicar inteiramente à arte em si: um administrador de sons que confia no silêncio.