Cross border leasing
14 de julho de 2009
O que sistemas de esgoto, transporte público e escolas têm que ver com a crise financeira? Aparentemente não há nenhuma ligação, mas de fato ela existe. Alguns anos atrás, diversos municípios alemães assinaram contratos de arrendamento mercantil internacional (cross border leasing) com investidores norte-americanos. Agora, algumas dessas comunidades estão tentando rescindi-los, algo que não será muito fácil.
No final da década de 90, o cross border leasing parecia ser uma saída perfeita para os municípios alemães em dificuldades econômicas. Tudo parecia fácil. Segundo o professor da Universidade de Colônia Werner Rügemer, que há dez anos acompanha transações desse gênero, o negócio parecia ser vantajoso para ambos os lados.
Se um investidor americano arrendasse, por exemplo, o sistema de canalização de uma cidade, ele obteria nos Estados Unidos privilégios fiscais que, em parte, seriam revertidos em alguns milhões de dólares para os municípios envolvidos.
Solução rápida para tapar buracos no orçamento municipal
As prefeituras se entusiasmaram. Naquela época, assinaram-se cerca de 180 contratos de arrendamento mercantil internacional no valor total de 80 bilhões de euros. O princípio parecia transparente: Düsseldorf, por exemplo, arrendava a um investidor americano a rede de bondes e de canalização e os alugava imediatamente de volta.
A vantagem também parecia clara. O município mantinha seu patrimônio e, ao mesmo tempo, seus cofres se enchiam de dinheiro, já que o investidor pagava uma pequena parcela – de 4% a 6% – dos custos de leasing diretamente à administração municipal.
À primeira vista, isso parecia não ter outras consequências. Em cidades como Düsseldorf, a nova perspectiva de salvar as finanças da cidade foi anunciada como algo absolutamente positivo.
Outros municípios, como Bochum, tiveram que enfrentar a resistência da população, avessa a qualquer tipo de transação financeira com o patrimônio público mantido pelos contribuintes. Em 2002, quase 14 mil cidadãos de Bochum tentaram viabilizar um plebiscito para impedir o arrendamento do sistema de canalização, mas a prefeitura não deu ouvidos à população e acabou fechando o negócio.
Contratos em língua estrangeira e consultores parciais
Segundo Rügemer, diversos municípios assinaram contratos de até duas mil páginas sem saber o que constava deles em detalhe, pois estavam formulados em inglês. As autoridades municipais confiaram no parecer de consultores que ganhavam dinheiro com a venda desses produtos e facilitavam o fechamento dos negócios, sem advertir os municípios de todos os riscos.
Os investidores norte-americanos, bancos em sua maioria, não eram benfeitores interessados em salvar municípios em crise no ultramar, lembra Rügemer. Devido à longa duração de tais contratos, em regra válidos por 30 anos, na prática os bancos se tornavam, perante a lei dos Estados Unidos, proprietários de sistemas de canalização ou redes de bondes em municípios alemães.
Logo, os investidores americanos podiam descontar essas aquisições dos seus impostos. De acordo com o direito alemão, no entanto, os municípios permaneciam proprietários das infraestruturas arrendadas, podendo igualmente descontá-las dos impostos devidos.
Para os investidores, mais do que privilégios fiscais
Em 2004, o Congresso norte-americano resolveu impedir esse subterfúgio e determinou que os contratos de arrendamento mercantil internacional fechados a partir de então não proporcionariam mais privilégios fiscais.
No entanto, os privilégios fiscais não eram a principal vantagem desses negócios para os investidores. Na verdade, explica Rügemer, os bancos americanos estavam interessados nas altas quantias de dinheiro movimentadas por essas transações.
No campo da finanças, fala-se de produtos financeiros estruturados. Além dos municípios, o arrendamento mercantil internacional pode envolver até cinco bancos, para os quais esses contratos põem em movimento um carrossel de dinheiro bastante lucrativo.
"O essencial desse produto financeiro estruturado é que esses cinco bancos se concedem empréstimos reciprocamente, pagam juros uns para os outros e se beneficiam disso, sem que haja nenhum investimento real. Afinal, nenhum investidor ou banco jamais se interessou pela canalização de Colônia, pela rede ferroviária ou pelos hospitais. Eles simplesmente fecharam um negócio interbancário. E foram as transações desse tipo que originaram a crise financeira internacional", explica Rügemer.
Desfalque de seguradoras aumenta prejuízo
E a crise afetou drasticamente os municípios. Muitos tinham fechado seus seguros para os contratos de arrendamento mercantil internacional com a American International Group (AIG).
Em 2008, essa grande seguradora sofreu um prejuízo de 100 bilhões de dólares e perdeu seu rating AAA. Para os municípios alemães, isso significou que os seguros de seus negócios internacionais passaram a valer bem menos do que antes, algo que os obrigou a contratar novos seguros.
No final de 2008, por exemplo, Bochum precisou comprar títulos do governo americano no valor de 90 milhões de euros. Agora, a cidade está saindo dos negócios fechados com investidores norte-americanos – com a permissão destes. Mas os contratos ainda não expiraram e as obrigações em relação a outros parceiros de negócio se mantêm. Negociações nesse sentido continuam a portas fechadas.
Os contratos de arrendamento mercantil internacional e suas implicações não são um problema meramente municipal. De acordo com a lei alemã, explica Aichard Hoffmann, da associação de locatários de Bochum, um município não pode falir.
Foi justamente isso que tornou esse tipo de transação tão interessante para os investidores americanos. Afinal, se um município realmente abrir um processo de insolvência, o governo do estado ou a União é que são responsáveis por tirá-lo do buraco. Isso evidentemente representa uma forte garantia para esse tipo de negócio.
Dinheiro da arrecadação para pagar a crise
E os municípios não são os únicos que poderiam precisar de ajuda do Estado devido aos acordos de arrendamento mercantil internacional. Muitos dos bancos alemães hoje abalados pela crise financeira também se envolveram nesse tipo de negócio.
E pode muito bem ser que as dívidas geradas por essas transações tenham que agora ser cobertas pelos pacotes conjunturais do governo alemão. E tudo isso com o dinheiro do contribuinte.
Mesmo que municípios como Bochum tentem hoje sair o mais rápido possível desses acordos, eles não mudam de ideia: da perspectiva daquela época foi correto assinar contratos de arrendamento mercantil internacional a fim de tapar os buracos do orçamento municipal – afinal, ninguém poderia prever a crise financeira.
O ministro alemão das Finanças, Peer Steinbrück, no entanto, vê as coisas de forma diferente. Ele afirma que os contratos de arrendamento mercantil internacional jamais deveriam ter sido assinados. Os riscos eram simplesmente altos demais.
Autora: Nina Haase
Revisão: Alexandre Schossler