1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Lei da Palmada entra em vigor com desafio de mudança cultural na educação

Ericka de Sá, de Brasília30 de junho de 2014

Especialista diz acreditar no potencial da lei para mudar cultura da violência contra as crianças: "É bom que as pessoas sejam informadas sobre coisas que achavam normais, mas que não são".

https://p.dw.com/p/1CGKb
Foto: Fotolia/Kitty

O banimento do castigo físico da educação dos filhos ganhou base legal na sexta-feira passada (27/06) com a sanção, pela presidente Dilma Rousseff, da chamada Lei Menino Bernardo – em referência ao assassinato de Bernardo, de 11 anos, supostamente por seus pais no Rio Grande do Sul.

Com a nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passa a definir com mais precisão os castigos proibidos. Castigo físico é a "ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente" que tenha como resultado sofrimento físico, lesão, tratamento cruel ou degradante. Também está prevista "conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente" que tenha efeito humilhante, de grave ameaça ou que ridicularize o jovem.

"A educação pelo emprego de violência é incompatível com a construção de uma cultura de paz, e os processos de evolução da sociedade, existindo métodos pedagógicos pacíficos, isentos de qualquer ofensa à integridade", escreve a senadora Ana Rita, relatora da proposta.

A oficial de proteção do Unicef Fabiana Gorenstein diz acreditar no potencial da lei para mudar a "sociedade de violência hoje predominante". "Essa lei traz uma mudança cultural que diz que, assim como um adulto não pode agredir a integridade de outro, um adulto também não pode agredir a integridade de uma criança", argumenta. "Acho que, em sã consciência, ninguém pode ser contra isso."

Para Gorenstein, a lei transforma comportamentos antes considerados aceitáveis em concretas violações dos direitos da criança e a coloca num patamar de proteção que os adultos já têm e que as mulheres, em particular, passaram a ter com a Lei Maria da Penha. O próximo passo é a informação. "É bom que as pessoas sejam informadas sobre coisas que achavam que eram normais e integrantes do processo educativo, mas que não são."

Wochenrückblick KW 21/2011 Symbolbild Missbrauch
Entre as medidas propostas pela nova lei está o encaminhamento de crianças a tratamento psicológico ou psiquiátricoFoto: picture alliance/Photoshot

Medidas adicionais

A lei não altera as punições já previstas em outras leis para abusos e violações dos direitos da criança, mas adiciona medidas a serem adotadas conforme a gravidade do caso. Entre elas está o encaminhamento das crianças a programa oficial ou comunitário de proteção a família e de tratamento psicológico ou psiquiátrico. Para os pais, a lei prevê cursos ou programas de orientação, a obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado, além de advertência.

Para Gorenstein, a lei é um avanço, também, ao tornar obrigatória a notificação de casos de violência por parte dos agentes de saúde e educação, além de prever formação continuada para esses profissionais, que lidam com a violência doméstica no dia a dia.

"As pessoas estão muito acostumadas, no Brasil, a leis que estabelecem penas. Essa lei traz uma pauta positiva, que é a alteração de uma cultura violenta e que tolera comportamentos de violência contra crianças, comportamentos desiguais – porque você não pode comparar o poder de um adulto com o de uma criança", avalia.

Mas há quem defenda a palmada como instrumento legítimo de educação e imposição de regras. "O pai já tentou todos os castigos possíveis, e o filho continua tendo mau comportamento. O que sobra? Sobra o tapa na bunda", argumenta a terapeuta infantil Denise Dias, que também é autora do livro Tapa na Bunda – Como impor limites e estabelecer um relacionamento sadio com as crianças em tempos politicamente corretos.

Dias defende que a palmada é diferente de outros castigos físicos considerados por ela mais graves, como puxões de orelha e surra. Ela se declara contra o castigo físico severo, mas a favor de "uma palmada bem dada na bunda, mesmo". "Um adulto sensato, centrado, em equilíbrio sabe muito bem a diferença entre a palmada e a surra."

Monitoramento dos casos

A lei prevê que os Conselhos Tutelares serão o ponto inicial de contato em casos de violação, mas também exige uma integração entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, além de ONGs, no monitoramento dos casos.

Além de denúncias feitas pessoalmente nos Conselhos Tutelares locais, outras ferramentas também auxiliam no monitoramento, como o Disque Direitos Humanos, ou Disque 100 – inicialmente restrito a denúncias de exploração sexual e que passou a incluir casos de violações de direitos mais amplas.

Também nesse sentido, em maio deste ano, o Unicef lançou um aplicativo para smartphones e tablets chamado Proteja Brasil. O app utiliza a localização do usuário para indicar telefones e endereços de delegacias, Conselhos Tutelares e outras organizações que podem ajudar em casos de violação de direitos da criança e do adolescente.

Disponível em português, inglês e espanhol, o aplicativo foi lançado no âmbito da campanha de proteção de menores durante a Copa do Mundo e prevê oito tipos de violações: trabalho infantil, violência física, violência psicológica, violência sexual, discriminação, tortura, tráfico de pessoas, além de negligência e abandono.