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"Lobos solitários se radicalizam nos EUA"

Astrid Prange (ca)15 de junho de 2016

Ações terroristas individuais são fenômeno americano? Em entrevista à DW, o especialista David H. Schanzer explica por que nos EUA atentados são praticados por conta própria e não por membros de grupos terroristas.

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Cena do crime do atentado de 12/06/2016 em Orlando
Cena do crime do atentado de 12/06/2016 em OrlandoFoto: Getty Images/G. Mora

O massacre na a boate Pulse em Orlando, em que 49 pessoas foram mortas, confirmou uma tendência observada nos Estados Unidos, de que atentados como esse sejam perpetrados por assim chamados "lobos solitários".

David H. Schanzer é diretor do Centro Triangle sobre Terrorismo e Segurança Nacional, na Sanford School of Public Policy da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte. Entre suas publicações está o estudo Lições de antiterrorismo de muçulmanos americanos.

Em entrevista à Deutsche Welle, o especialista americano explicou que "nos EUA as coisas são diferentes do Oriente Médio ou Europa". Ali "não há uma infraestrutura terrorista em centros urbanos, onde autores de atentados possam formar uma célula e planejar ataques" junto com cúmplices.

Quanto ao perigo de ataques nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, Schanzer alerta: "O que me preocupa são os chamados alvos fáceis, ou seja, lugares como clubes ou calçadões à beira-mar, onde milhares de pessoas se reúnem para festejar."

DW: O massacre de Orlando representa uma forma nova e individualizada de terrorismo?

David H. Schanzer: Não. Nos EUA, os lobos solitários se radicalizam. Eles não recebem nenhuma instrução externa, não têm ligações com grupos terroristas, mas se deixam inspirar por esses e decidem, então, empregar a violência por contra própria. Há vários exemplos disso: em 5 de novembro de 2009, um membro do Exército americano matou 13 pessoas num tiroteio na base militar de Ford Hood.

David H. Schanzer leciona na Sanford School of Public Policy da Universidade Duke, na Carolina do Norte
David H. Schanzer leciona na Sanford School of Public Policy da Universidade Duke, na Carolina do NorteFoto: Privat

Esses ataques são um fenômeno americano?

Nos EUA as coisas são diferentes do Oriente Médio ou Europa. Aqui não há uma infraestrutura terrorista em centros urbanos, onde autores de atentados possam formar uma célula e planejar ataques junto a um grande número de pessoas. Além disso, as autoridades de segurança são fortes e trabalham de forma tão eficaz que seriam capazes de interceptar um grupo terrorista maior, provavelmente a partir da comunicação interna entre os membros. Por esse motivo tais ações terroristas individuais acontecem nos EUA, e não em outros lugares.

Se esses ataques não são novidade, desde quando existem nessa forma?

Lidamos com esse tema há pelo menos uma década. Nos atentados a bomba durante a Maratona de Boston, em abril de 2013, os dois autores agiram por conta própria, ser receber qualquer instrução de um grupo terrorista. Isso também se aplica ao "Bernardino shooting" [atentado na cidade de San Bernardino, em 2 de dezembro de 2015, onde dois agressores mataram 14 pessoas numa festa de Natal para portadores de deficiência].

Desde 2010, cerca de 270 pessoas foram presas, mas quase nenhuma tinha ligações com o terrorismo. Quase todas agiam por contra própria. Elas haviam se radicalizado, estavam descontentes com suas vidas e se apegaram a uma ideologia. A maioria não conseguiu praticar os atentados planejados, porque foi presa antes. Mas as autoridades de segurança não são infalíveis, este caso [em Orlando] escapou de suas malhas.

Um endurecimento das leis sobre armas de fogo poderia contribuir para diminuir esses atentados individuais?

O controle de armas é uma questão muito controversa nos EUA. Muitos dizem que, se houvesse uma melhor vigilância da venda de armamentos, atentados terroristas poderiam ser evitados – não acredito nessa argumentação. No entanto, está claro que o assassino havia sido investigado pelo FBI em dois casos. Ou seja, ele estava sob suspeita. O fato de comprar as armas deveria ter alertado as autoridades de segurança, o FBI deveria tê-lo investigado novamente. Se os policiais tivessem percebido que ele já tinha ligações com o terrorismo, o fato de ter comprado uma arma teria sido um sinal claro de que ele planejava um novo crime.

Como se explica que alguém com tais antecedentes possa comprar uma arma nos EUA?

Segundo a lei americana, qualquer pessoa tem o direito de comprar uma arma, desde que não tenha sido condenado juridicamente. Como o assassino não havia praticado nenhum crime anteriormente, o FBI arquivou suas investigações. No Congresso há alguns esforços para mudar a legislação. Existe, por exemplo, uma lista de interdição de voo para potenciais suspeitos.

Embora muitos que fazem parte dessa lista não tenham cometido nenhum crime, eles estão sob suspeita e não podem entrar em nenhum avião, e se o fizerem, terão que se submeter a uma investigação adicional.

Eu sou definitivamente a favor que, qualquer pessoa que tenha feito o suficiente para estar nessa lista de interdição, também deveria ser submetida a uma investigação no caso da compra de arma. Eu seria a favor de tal mudança de lei.

Em poucas semanas os Jogos Olímpicos irão se iniciar no Brasil. Existe alguma lição em termos de segurança que se possa tirar do atentado em Orlando?

O terrorismo faz parte da agenda internacional desde os atrozes atentados nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Desde então a comunidade internacional tem aprendido bastante e melhorado suas medidas de segurança. O que me preocupa são os chamados alvos fáceis, ou seja, lugares como clubes ou calçadões à beira-mar, onde milhares de pessoas se reúnem para festejar.

Não devemos mudar esses hábitos, pois, de outra forma, perderíamos parte de nossa condição humana. Mas as autoridades de segurança precisam pensar de forma mais acurada sobre como pretendem controlar os riscos de tais eventos.

Parece que quanto maior o número de direitos e liberdades, mais aumenta a resistência contra eles. Chegamos a um ponto em que cada vez mais pessoas se incomodam com as liberdades desfrutadas pelos habitantes do assim chamado mundo ocidental?

Acho que não. Há sempre uma minoria que resiste, mas a maioria se opõe e acaba prevalecendo. No fim, essa parcela menor que não aceita esses direitos acaba ficando socialmente marginalizada. A questão é como fazer com que eles expressem suas divergências democraticamente e não de forma violenta.

Temos que nos ocupar de como prevenir o terrorismo e impedir a violência política. Trata-se de um grande desafio, mas a sociedade deve usar toda a sua coragem e todos os seus recursos para enfrentar esse problema.