Lula está brincando com fogo
25 de julho de 2018Os três deputados que, numa noite de sexta-feira no começo de julho, solicitaram habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), sabiam perfeitamente que o juiz de plantão no fim de semana tem simpatias pelo petista e vê com olhos críticos o processo de corrupção que o colocou na cadeia.
Os parlamentares naturalmente tinham também consciência de que a iniciativa desencadearia, no máximo, um efeito midiático. Pois há muito o TRF-4 não era mais responsável pelo caso, que já se encontra na instância mais alta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e este já negara habeas corpus a Lula.
Talvez a esperança fosse que – na confusão geral de uma manhã de domingo, e em pleno recesso judiciário – Lula ficasse em liberdade por algumas horas. Tempo suficiente para produzir comoventes imagens para a campanha presidencial que se aproxima. Pois Lula ainda é o candidato oficial do PT nas eleições a se realizarem daqui a algumas semanas.
Talvez se esperasse até poder colocá-lo rapidamente num avião para São Bernardo do Campo, onde ele já se entrincheirara por dois dias, antes de sua prisão, no início de abril. Talvez restassem imagens semelhantes às feitas na época, quando o habeas corpus dominical fosse anulado, o mais tardar na segunda-feira seguinte. Será que desta vez a polícia empregaria violência para capturar o ex-chefe de Estado? O saldo poderia ser imagens épicas.
Portanto, naquela manhã de domingo em julho, não havia a menor chance realista de que Lula fosse libertado em caráter duradouro. Em vez disso, especulava-se sobre o efeito na mídia e que, por todo o Brasil, massas humanas fossem espontaneamente às ruas em favor do político – como ele já contara que fosse ocorrer em abril.
A ousada operação visava, antes de tudo, acordar a própria base. Após meses cheios de derrotas jurídicas, um sentimento de vitória seria bem-vindo. No entanto, também desta vez, os brasileiros ficaram mudos em casa.
Mas pelo menos uma vitória parcial a ala petista alcançou com a ação: a Justiça brasileira posou de incompetente – mais uma vez. Durante horas reinou confusão quanto a quem cabia deliberar sobre a libertação de Lula. O juiz federal Sérgio Moro, que o condenara em primeira instância, e que, das férias, interferiu por telefone? Ou seria mesmo o juiz de segunda instância de plantão naquele domingo? Ou seu colega do TRF-4, o relator do processo? Ou, como acabou acontecendo, o presidente do TRF-4?
O fato de Moro ter interferido pessoalmente, além disso, reforça a convicção de quem o acusa de ressentimento pessoal contra Lula. Não foi a primeira vez que o juiz atuou nos limites de sua competência: a divulgação, no começo de 2016, de uma gravação telefônica entre Lula e a então presidente, Dilma Rousseff, já rendera severas críticas a Moro.
Desde que eclodiram as primeiras imputações contra Lula, no contexto dos inquéritos por corrupção, ele sempre respondeu com uma defesa política. As acusações não passavam de um complô contra ele, afirmava.
Também nos processos na primeira e segunda instância, os defensores de Lula mantiveram essa estratégia. Em vez de atacar concretamente a débil linha de provas – que tentava associar o apartamento no Guarujá com supostos subornos para o PT –, insistiu-se na linha de defesa política.
A "tese do golpe" visava sobretudo mobilizar as bases petistas, mas,do ponto de vista jurídico, ela, até agora, mais prejudicou Lula. E tampouco com ações ousadas, como a do princípio de julho, ele conquistará a permissão de concorrer em outubro.
Em vez disso, o político preso mina a credibilidade do Poder Judiciário. Uma empreitada arriscada, já que entre a população ele não conta mais com tanta simpatia e prestígio assim. No entanto, a Justiça que ele ludibriou, colocou de costas contra a parede, reagirá com desprezo e rigor. Ela saberá como impedir sua candidatura em outubro.
A intenção de Lula é manter alto o valor de seu capital político, pelo máximo tempo possível, a fim de, o mais tardar em setembro, apresentar seu candidato substituto. Talvez ele seja Ciro Gomes, o qual já deu a entender que, caso seja eleito presidente, pretende libertar Lula. Segundo Ciro, essa seria a única chance de Lula sair da cadeia. Pode ser que ele tenha razão.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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Correção: 26/07/2018
Uma versão anterior deste texto trazia, no último parágrafo, a informação de que Ciro Gomes declarou que pretende indultar Lula. Embora tenha mostrado contrariedade em relação à prisão do Lula em entrevistas à imprensa brasileira, o presidenciável não declarou explicitamente que concederia indulto a ele. O texto foi alterado.
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