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Lula, Willy Brandt e a crise brasileira

Jean-Philip Struck30 de março de 2016

Ao argumentar que nenhum governo está livre de irregularidades, ex-presidente comparou descoberta de casos de corrupção envolvendo membros do seu gabinete com episódio que acelerou queda do ex-chanceler alemão.

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Willy Brandt (à dir.) fala com Günter Guillaume e 1973. Pouco tempo depois, o assistente seria preso por espionagem
Willy Brandt (à dir.) fala com Günter Guillaume em 1973. Pouco tempo depois, o assistente seria preso por espionagemFoto: picture alliance/Klaus Rose

Em uma coletiva de imprensa concedida na segunda-feira (28/3), o ex-presidente Lula evocou o escândalo de espionagem que, nos anos 1970, precipitou a queda do então chanceler Alemanha Ocidental, Willy Brandt.

Ao ser indagado por um jornalista alemão se sentia ter alguma responsabilidade pelos casos de corrupção envolvendo membros de seu antigo gabinete, Lula disse que nenhum governo está livre de erros, e citou o caso do ex-chanceler como exemplo:

“Você acha que Brandt sabia que tinha um espião em seu gabinete?”, disse o ex-presidente, que ainda espera o Supremo brasileiro se posicionar sobre sua posse como ministro-chefe da Casa Civil.

O “Caso Guillaume”

Conhecido como o “Caso Guillaume”, o escândalo de espionagem citado por Lula foi um acontecimento dramático da política alemã-ocidental, que pôs fim ao governo Brandt (1969-1974).

Em 1974, em plena Guerra Fria, foi revelado que Günter Guillaume, um discreto burocrata do Partido Social-Democrata (SPD) que vinha servindo como assistente de Brandt, era na verdade um espião infiltrado pelo serviço de inteligência da Alemanha Oriental que levou uma vida dupla por 18 anos.

Ao ser preso, em 24 de abril daquele ano, Guillaume imediatamente admitiu que era um espião comunista. As consequências políticas da descoberta acabaram caindo no colo de Brandt, que renunciou dez dias depois.

Um dos problemas foi que os serviços de inteligência ocidentais já haviam apontado suspeitas sobre o secretário em 1973. Só que os mesmos serviços também aconselharam Brandt a mantê-lo no cargo até que as investigações comprovassem se a desconfiança era justificada.

"Eu, imbecil, nunca devia ter ouvido esse conselho de um outro imbecil", escreveria o ex-chanceler mais tarde.

Investigações acabaram mostrando que as informações coletadas por Guillaume tinham pouca relevância. Os efeitos da revelação também não foram capitalizados pela Alemanha Oriental, apesar de terem precipitado a queda do chefe de governo de um Estado rival.

Anos depois, Markus Wolf, o chefe do serviço de espionagem externa da Stasi (o Ministério de Segurança da Alemanha Oriental) que era responsável por Guillaume, classificou todo o caso como um “erro”, já que o governo Brandt vinha atuando para diminuir a tensão política entre as duas Alemanhas.

A gota d'água

Historiadores apontam hoje que Brandt não teve nenhuma responsabilidade pessoal pelo fiasco, mas ainda assim o chanceler decidiu assumir publicamente a culpa. “Assumo a responsabilidade política pelas negligências em relação ao caso do agente Guillaume e apresento minha renúncia ao cargo de chanceler federal", escreveu em sua carta de renúncia.

O caso Guillaume é hoje interpretado apenas como um gatilho que precipitou a queda do chanceler, já estava bastante desgastado pelo mau estado da economia (que sentia os efeitos da crise do petróleo de 1973), pela oposição de setores conservadores que eram contra a détente com o leste comunista e por problemas pessoais, como depressão.

Entre os dias entre a prisão de Guillaume e a renúncia, Brandt também foi confrontado com um dossiê elaborado pelos investigadores do caso, que ao longo das apurações também reuniram diversas informações sobre a vida privada do chanceler, que apontavam uma série de casos extraconjugais e consumo excessivo de álcool.

Parte das informações cheg à imprensa, e membros do círculo de Brandt passaram a temer que o chanceler acabasse virando alvo de chantagem e prejudicasse o desempenho do governo nas eleições de 1976. Por fim, o chanceler perdeu apoio em seu próprio partido, que não o instou a permanecer no cargo.

Após deixar o poder, Brandt ainda manteve seu mandato de deputado no Parlamento alemão e permaneceu na presidência do SPD até 1987. Também se manteve ativo em organizações internacionais, como a Internacional Socialista, mas nunca voltou a ocupar qualquer cargo no governo alemão. Já Guillaume acabou passando sete anos na cadeia, sendo solto em 1981 após uma troca de espiões entre as duas Alemanhas. Ele morreu em 1995, menos de três anos depois de Brandt.