Beethovenfest 2010
7 de setembro de 2010Friedrich Hölderlin (1770-1843) escreveu em 1800 o poema Gang aufs Land (Passeio pelo campo). Seu convite a partir para um lugar no futuro, onde as convenções terão sido superadas, começa com o verso "Vem! A céu aberto, amigo".
E é precisamente sob o slogan "A céu aberto" (Ins Offene) que o festival Beethovenfest de Bonn apresenta em 2010 uma série de concertos não convencionais, em torno do tema "Utopia e liberdade na música".
No espírito de Beethoven
As reviravoltas sociais do início do século 19 estiveram intimamente aliadas a sonhos utópicos, e o zeitgeist dessa época turbulenta também contagiou o compositor Ludwig van Beethoven (1770-1827). Em suas obras frequentemente permeadas por ideais políticos e visões utópicas, o músico natural de Bonn rebelava-se contra as convenções.
Este é um ensejo para o Beethovenfest experimentar com ideias novas e programas inovadores, fazendo justiça ao homenageado, na qualidade de cosmopolita visionário, revolucionário e esclarecido.
De 10 de setembro a 9 de outubro, a edição deste ano do festival dedicado ao mais importante filho da cidade reúne, na ex-capital alemã às margens do Rio Reno, a nata da cena musical clássica internacional.
Nem tudo é Beethoven, claro: em 2010 completam-se dois séculos do nascimento de Robert Schumann (1810-1856), e os mentores do Beethovenfest aproveitam a ocasião para explorar as numerosas facetas do também visionário compositor romântico que viveu seus últimos anos na região renana.
Crème de la crème
Regentes como Paavo Järvi, Kent Nagano, Helmuth Rilling, Neville Marriner e Sir Colin Davis, à frente de orquestras de fama mundial, dividem com os cellistas Sol Gabetta e Jan Vogler, ou as violinistas Lisa Batiashvili e Veronika Eberle os palcos da Beethovenhalle, Casa de Beethoven e numerosos outros locais de apresentação.
Mas um caminho "a céu aberto" passa forçosamente pela música contemporânea. Assim, Peter Ruzicka apresenta uma obra intitulada, justamente, Ins Offene – uma versão musical do poema de Hölderlin.
Nascido em 1948, Ruzicka é Composer in Residence do Beethovenfest 2010, cujo programa inclui também a estreia de sua Über die Grenze (Para além da fronteira), para violoncelo e orquestra, tendo Daniel Müller-Schott como solista. Os compositores Jörg Widmann e Jan Müller-Wieland igualmente estrearão peças encomendadas pelo festival.
Abordagens inusitadas
Grande parte dos artistas selecionados se destaca por buscar uma abordagem nova e anticonvencional à música. Este é o caso da Deutsche Kammerphilharmonie Bremen, um grande conjunto de câmara que aposta na autogestão, e que desde 2004 é Orchestra in Residence do Beethovenfest. Além de – repetindo o feito do ano passado – executar todas as nove sinfonias beethovenianas, ela é responsável pelo concerto de abertura, acompanhando a pianista francesa Hélène Grimaud – por sua vez, Artist in Residence do evento.
A pianista venezuelana Gabriela Montero porá mais uma vez seus talentos como improvisadora à prova. E o percussionista Martin Grubinger propõe uma utopia musical: juntamente com alguns colegas de instrumento, distribuídos pelo auditório da Beethovenhalle, ele realizará um concerto com efeitos de surround sound. Em seguida, os músicos convidam para um latin lounge musical, no foyer da sala de concertos.
Também o violinista sul-africano Daniel Hope – presença obrigatória em Bonn há vários anos – explora caminhos inusitados. Ao lado de uma banda de rock escolhida pelos colegiais da cidade renana, ele se apresenta em 18 de setembro numa garagem de bondes municipais.
Esse programa fora do comum tem sistema: desde o ano passado, o Junges Beethovenfest põe em prática, com o auxílio de músicos estabelecidos, ideias propostas pelos adolescentes de Bonn, visando introduzi-los à música erudita e garantir o público do futuro. Como elementos adicionais de atração para os jovens, o concerto inclui instalações cênicas e de vídeo, assim como números dançados.
"El Sistema" e orquestra brasileira
Exemplo moderno de realização de uma utopia musical é o chamado "El Sistema", um projeto musical de grande sucesso e abrangência social, envolvendo crianças de classes menos favorecidas da Venezuela.
Seu fundador, José Antonio Abreu, é o patrono do Beethoven 2010, e, na qualidade de visionário, faz plenamente jus ao mote deste ano. Fundada por ele, a Teresa Carreño Youth Orchestra of Venezuela abre sua primeira turnê europeia em 28 de setembro, com um concerto no festival sob a regência de Christian Vásquez, de 26 anos de idade.
Um outro jovem conjunto sinfônico com background social semelhante se apresenta no Orchestercampus, série de workshops organizada pela Deutsche Welle. Trata-se da Sinfônica Heliópolis, fundada em 1996 no bairro paulistano do mesmo nome. Sob a batuta do maestro Roberto Tibiriçá, seus 80 jovens músicos estreiam, em 4 de outubro, Cidade do Sol do brasileiro André Mehmari, obra encomendada pela Deutsche Welle.
Downloads e podcasts grátis
Ao todo, o programa da edição 2010 inclui 67 concertos, o simpósio "Utopia e liberdade na música", assim como exposições, palestras, leituras, filmes e oficinas. Em tempos de crise global, o financiamento de um evento desse porte prova ser tudo, menos utópico: o apoio financeiro da municipalidade de Bonn se mantém, devendo até mesmo ser elevado no próximo ano, e é complementado por verbas de diversos patrocinadores e empresas de mídia.
Uma dessas é a Deutsche Welle, parceira de mídia que também neste ano coloca à disposição de seus usuários uma ampla seleção de concertos gravados, para baixar grátis ou como podcast, sob o endereço www.dw-world.de/beethoven ou através do iTunes.
Autoria: Rick Fulker / Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler