Macri tenta dar novo impulso à relação com Brasil
4 de dezembro de 2015A presidente Dilma Rousseff recebeu nesta sexta-feira (04/12), em Brasília, o presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri. Antes mesmo da posse, marcada para 10 de dezembro, ele mostrou, com a visita, a importância do país vizinho para a economia argentina e reforçou as mudanças esperadas na linha política na era pós-Kirchner.
A simbologia do encontro é grande no momento em que o Brasil passa por um aprofundamento da crise política, um dia depois de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acatar o pedido de abertura do processo de impeachment contra Dilma. Mesmo sob a sombra do impeachment, nem a presidente nem Macri cogitaram cancelar o encontro.
"Queremos fortalecer as relações comerciais", afirmou Macri, depois de dizer que ambos os países estão sofrendo processos de recessão econômica. "Se o Brasil vai bem, a Argentina vai bem. Temos que trabalhar em conjunto 24 horas [por dia], aconteça o que acontecer em nossas realidades locais."
Macri destacou ainda que Dilma confirmou a participação em sua cerimônia de posse, em 10 de dezembro, em Buenos Aires, e que os dois já deverão se reunir na ocasião. Já a presidente brasileira convidou Macri para realizar, em breve, uma visita de Estado a Brasília e trazer uma comitiva maior – desta vez foram ao Brasil a futura chanceler argentina, Susana Malcorra; o chefe de gabinete, Marcos Peña, e o assessor de assuntos estratégicos, Fulvio Pompeo.
"Macri sabe que precisa de Brasília para poder crescer de forma efetiva. Por outro lado, a nossa crise econômica mostra que o modelo econômico está criando problemas para o Brasil", opina o cientista político Leonardo Paz Neves, do Ibmec/RJ. "Parece-me que Dilma está mais aberta neste momento a promover políticas mais liberais, a exemplo de Macri."
Novas perspectivas na relação bilateral
Durante a campanha eleitoral e após ser eleito, Macri deixou claro que iria realizar profundas mudanças na linha econômica e política seguida pela atual mandatária, Cristina Kirchner. Entre as principais inflexões estão impulsionar o Mercosul e o acordo de livre-comércio com a União Europeia, discutir sobre a suspensão da Venezuela do bloco sul-americano e reforçar o intercâmbio comercial, que vem perdendo força, entre Brasília e Buenos Aires.
O bloco sul-americano tem sido um fardo para o Brasil, que, em nome da integração regional, fica de mãos atadas para negociar acordos bilaterais. A Argentina é considerada um entrave para a costura de uma proposta única de livre-comércio com os europeus – situação, agora, que pode mudar com o liberal Macri à frente da Casa Rosada.
"Por um lado, o Brasil perde o 'álibi' argentino como desculpa a explicar a razão de as negociações com a UE estarem emperradas há 15 anos", afirma Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia. "O próprio Brasil terá que se apressar para fazer a lição de casa 'liberalizante' que sempre pareceu 'protelável', dada a ojeriza de Buenos Aires por acordos de comércio internacional."
Mudança de postura sobre Venezuela
Sobre a Venezuela, Macri afirmou que "há uma preocupação que cada um manifesta de sua maneira". "Mas, no fundo da questão, compartilhamos dos mesmos valores", completou.
Ele declarou, ainda, que reforçou junto a Dilma a posição argentina de pressionar o Mercosul para acionar a chamada "cláusula democrática" contra Caracas. O dois países deverão aguardar os desenvolvimentos das eleições parlamentares venezuelanas, neste domingo.
O Brasil é o maior parceiro econômico da Argentina. Com a crise em Buenos Aires, as exportações para o vizinho se tornaram irregulares, indo dos 3,88% do total brasileiro de 2002 aos 9,17% de 2010. Em 2000, elas correspondiam a 11,32% e, em 2014, caíram para quase a metade: 6,34%. Mesmo com a intensa relação comercial, os argentinos impõem restrições às importações do Brasil e de outros países do Mercosul.
Para Miguel Ángel de Dios, professor de direito econômico e comercial da Universidad del Salvador de Buenos Aires (Usal), Macri está interessado em estabelecer relações comerciais e políticas muito próximas com o Brasil. E o perfil de seu governo será de restabelecer as relações com países da região e, de preferência, com Brasília, além de privilegiar o Mercosul e o acordo com a União Europeia.
"Do ponto de vista político, a Argentina vai deixar de ser indiferente até com as questões internas e de direitos humanos nos países da região", afirma Ángel de Dios. "A tendência é que as diferenças sobre Venezuela e, eventualmente, Equador e Bolívia possam se aprofundar."