Maduro toma posse sob contestação internacional
10 de janeiro de 2019O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse nesta quinta-feira (10/01), em Caracas, para um segundo período de seis anos na presidência depois de vencer as polêmicas eleições de maio passado.
Maduro prestou juramento perante o Supremo Tribunal de Justiça, e não perante a Assembleia Nacional, controlada pela oposição e cuja legitimidade o presidente não reconhece e que acusa de afrontar sentenças do tribunal.
O juramento, segundo o próprio presidente, foi um compromisso com o qual procura "defender a independência e a integridade absolutas da pátria, levar prosperidade social e econômica ao nosso povo e construir o socialismo do século 21".
Em seu discurso, Maduro acusou os Estados Unidos e seus "governos-satélites" de promover uma campanha de manipulação há mais de 20 anos para "manchar a imagem da revolução venezuelana" e afirmou que seu país se encontra "no centro de uma guerra mundial do imperialismo".
"A oligarquia e o imperialismo, que tantas ditaduras impôs no nosso continente durante todo o século 20, trata de desfigurar a nossa história política e pessoal. É perita em impor campanhas", ressaltou Maduro.
No discurso, o líder venezuelano atacou também o presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou de fascista e representante do extremismo de direita.
"Não podemos economizar adjetivos para o caso de uma direita como a venezuelana, que já infectou a direita latino-americana e caribenha com seu fascismo, sua intolerância e seu extremismo. Vejamos o caso do Brasil e a ascensão de um fascista como o presidente Jair Bolsonaro", afirmou.
Maduro disse ainda que a Venezuela é uma democracia com alto grau de participação popular. "Poderíamos dizer que a democracia foi refundada há anos com a Constituinte e a Constituição de 1999. Em 19 anos na Venezuela realizaram-se 25 eleições para todos os cargos, inclusive o primeiro referendo revogatório da história política da humanidade", acrescentou.
Maduro afirmou também que os manifestantes franceses conhecidos como "coletes amarelos" têm simpatia por ele e disse que o grupo inclusive lhe enviou um colete de presente. Entre aplausos de seus partidários, o presidente cogitou ainda a possibilidade fundar uma seção dos "coletes amarelos" da Venezuela. "Porque somos os rebeldes, somos os rebeldes do mundo."
A legitimidade do segundo mandato de Maduro foi questionada pela oposição venezuelana e por vários governos estrangeiros que não reconhecem os resultados das eleições de maio do ano passado.
A maioria da oposição venezuelana não participou do pleito, ou porque o considerava fraudulento ou porque seus principais líderes estavam presos ou impossibilitados de concorrer. A presença de observadores internacionais não foi permitida.
O presidente obteve 5.823.728 votos, com uma participação de 8,6 milhões de eleitores dos mais de 20 milhões que estavam aptos a votar, o que representou a maior abstenção da história venezuelana. As eleições de maio foram convocadas pela Assembleia Nacional Constituinte, uma espécie de parlamento alternativo formado apenas por apoiadores do governo e não reconhecida pela maioria dos países.
Nenhum representante da União Europeia (UE) ou de seus países-membros esteve presente na cerimônia de posse. A posição oficial do bloco é que as eleições não foram nem livres nem justas. Também por não reconhecer a legitimidade do novo governo, a maioria dos países da América Latina não enviou nenhum representante à posse, da mesma forma que os Estados Unidos.
O governo brasileiro também não estava representado. Já a presidente do maior partido da oposição, o PT, Gleisi Hoffmann, viajou para Caracas para assistir à cerimônia e "levar o apoio do PT ao povo venezuelano".
Entre os presentes na posse de Maduro estavam, no entanto, os presidentes da Bolívia, Evo Morales; da Nicarágua, Daniel Ortega; de Cuba, Miguel Díaz-Canel; e de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén. Além deles, Turquia, Rússia, Belarus, China, Líbano e Moçambique enviaram representantes para a cerimônia, entre outros países.
Críticas internacionais
Após a posse de Maduro, Washington reiterou que não reconhece a legitimidade do governo venezuelano. "Os Estados Unidos não reconhecerão a posse ilegítima da ditadura de Maduro. Continuaremos a aumentar a pressão sobre este regime corrupto, apoiaremos a Assembleia Nacional e pediremos liberdade e democracia para a Venezuela", escreveu o assessor de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, no Twitter.
A União Europeia afirmou que Maduro inicia um novo mandato sem base em eleições democráticas e lamentou que a Venezuela ignore o pedido internacional para a realização de um pleito em conformidade com as normas democráticas reconhecidas internacionalmente e com a ordem constitucional do país.
Durante uma reunião extraordinária, por 19 votos a favor, seis contra e oito abstenções, a Organização de Estados Americanos (OEA) decidiu nesta quinta-feira "não reconhecer a legitimidade" do segundo mandato de Maduro, e apelou para a realização de novas eleições "numa data próxima", com observadores internacionais.
O presidente do Paraguai, Mário Abdo Benítez, rompeu as relações diplomáticas com a Venezuela e mandou fechar a embaixada paraguaia em Caracas.
"O Paraguai reafirma a sua condenação à ruptura da ordem constitucional e do Estado de Direito na República Bolivariana da Venezuela, dando pleno apoio e reconhecimento à Assembleia Nacional, eleita legitimamente em dezembro de 2015", afirmou, em comunicado emitido nesta quinta-feira.
Benítez disse que dará um prazo aceitável para a retirada do corpo diplomático venezuelano do Paraguai. O país destacou que não reconhece o governo de Maduro e expressou solidariedade aos venezuelanos.
Em reação à posse, o Peru chamou para consultas em Lima a encarregada de negócios na embaixada peruana em Caracas, Rosa Álvarez. Há anos, a diplomata era quem comandava a embaixada, depois de o Peru ter retirado o embaixador do país devido a diferenças políticas.
O Ministério do Exterior peruano também confirmou a proibição da entrada de Maduro e centenas de integrantes de seu governo no Peru.
Em comunicado, o Itamaraty considerou o segundo mandato de Maduro ilegítimo e reafirmou seu apoio à Assembleia Nacional. "O Brasil confirma seu compromisso de continuar trabalhando para a restauração da democracia e do estado de direito na Venezuela, e seguirá coordenando-se com todos os atores comprometidos com a liberdade do povo venezuelano", conclui o texto.
Na semana passada, o Grupo de Lima, formado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia, aprovou, com a exceção do México, uma declaração na qual anuncia que esses países não reconhecem o novo governo de Maduro.
"Sequestro institucional"
O Parlamento venezuelano, de maioria opositora, pediu a todas as forças democráticas do país que unam esforços para se opor ao "sequestro institucional" da Venezuela por Maduro.
Numa teleconferência organizada pelo think tank americano Atlantic Council, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, afirmou que a nação passa por uma desmontagem do Estado de Direito que é fruto da "usurpação de poder" conduzida por Maduro.
Ele denunciou a repressão e perseguição do regime a oposicionistas. "Há 300 presos políticos e 169 militares detidos, há deserções nas Forças Armadas", assegurou.
A Venezuela passa por uma profunda crise social, política e econômica, com inflação de quase 1.700.000% ao ano, falta de produtos e remédios e a fuga de 3 milhões de habitantes. Maduro acusa os Estados Unidos, países aliados dos americanos e empresários venezuelanos de fazerem uma "guerra econômica" contra o seu governo e a Venezuela.
Ele disse que não descarta "ações radicais" contra o Parlamento e dirigentes opositores em seu novo governo e que apoiaria a Assembleia Nacional Constituinte se ela decidisse dissolver o Parlamento e convocar uma nova eleição para renová-lo.
"Se a ANC, para enfrentar o golpe de Estado [que Maduro alega estar em andamento contra seu governo], a rebelião e a ilegalidade, decidisse em algum momento antecipar as eleições, amém, iríamos todos às eleições", disse o presidente venezuelano, que disse preferir o diálogo para pôr fim à crise política e econômica na Venezuela.
O líder venezuelano já afirmou que os EUA pretendem matá-lo e "impor um governo ditatorial" na Venezuela, com o apoio do Brasil e da Colômbia. Nesse contexto, ameaçou nesta quarta-feira os países do Grupo de Lima com "as mais urgentes e duras medidas diplomáticas" se não voltarem atrás, em até 48 horas, na declaração em que instam o chavista a não tomar posse e a transferir o poder ao Legislativo.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, Maduro foi reeleito para um novo mandato presidencial nas eleições antecipadas de 20 de maio de 2018, com 67,84% dos votos.
Um dia depois das eleições, a oposição venezuelana questionou o resultado, alegando irregularidades e o desrespeito a tratados de direitos humanos e à Constituição.
AS/efe/lusa
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