Paavo Järvi
9 de outubro de 2010O maestro Paavo Järvi nasceu na Estônia em 1962, em uma família musical: tanto seu pai, Neeme, quanto seu irmão mais novo, Kristjan, são também maestros aclamados, e a irmã Maarika é flautista. Järvi vive nos Estados Unidos, onde estudou com Leonard Bernstein.
Ele dirige atualmente as orquestras sinfônicas de Cincinatti e da Rádio de Frankfurt (HR Sinfonieorchester). Desde 2004 é diretor artístico da Deutsche Kammerphilharmonie Bremen, a Orchestra in Residence do festival Beethovenfest de Bonn. Ao longo de sua carreira, o músico já recebeu numerosos prêmios, inclusive um Grammy e um Echo da Deutsche Phono-Akademie, como melhor regente clássico do ano.
A Deutsche Welle conversou com Paavo Järvi sobre as metas do festival e sobre as emoções por trás da música lá executada.
Deutsche Welle: Existe uma relação constante entre a Deutsche Kammerphilharmonie Bremen e o Beethovenfest. Essa colaboração influenciou o caráter e o desenvolvimento desse corpo orquestral?
Paavo Järvi: Uma orquestra que funciona de forma autônoma como a nossa precisa de bons amigos e bons parceiros. E o Beethovenfest é, sem dúvida, um parceiro fantástico. Certamente ajuda ter um festival que é bem organizado, tem boa infraestrutura e, o mais importante, tem uma verdadeira "luz-guia". Eu me refiro a Ilona Schmiel [diretora do festival], que é uma enorme fonte de energia. Sua imaginação e seu interesse em fazer algo de novo são realmente fantásticos.
Sabe-se que Ludwig van Beethoven não tinha lembranças muito felizes de Bonn. Mas há algo aqui, no público e na atmosfera, ou nas expectativas das pessoas, que lhe chama a atenção?
O festival se estabeleceu numa localidade que realmente tem Beethoven como seu centro. E, vamos encarar os fatos: estamos nos apresentando numa sala relativamente moderna, e a cidade é obviamente diferente de quando Beethoven andava por aqui. Mas isso não é o que importa. O importante é que a ideia vive, a ideia é forte, e que Bonn é o lugar certo para criar um festival em torno de Beethoven, por ser sua cidade natal. Para mim, as verdadeiras almas do festival são as que o criam. É quase irrelevante o que Beethoven pensava sobre a cidade, quando vivia aqui.
O Beethovenfest deste ano também enfoca a obra de Robert Schumann. O que há para se descobrir a respeito de um compositor executado com tanta frequência?
É o tipo de gesto que Schumann realiza em sua música, gestos emocionais, dramáticos, que se comunicam conosco de forma tão direta e sincera. E há aquela energia impulsiva, neurótica, os extremos expressivos, os momentos que podem ir a uma euforia incrível e, um segundo mais tarde, à mais profunda e tenebrosa melancolia.
Sempre nos ensinaram que é errado abrir o coração em público, ir de um extremo a outro sem pudor. É algo que nos deixa desconfortáveis. O que estamos tentando fazer com a Kammerphilharmonie é trazer esse aspecto para o primeiro plano. A música de Schumann precisa ser exagerada em todos os níveis: exagerada, e não encaixada numa norma aceitável, confortável.
Diante do pano de fundo de milhares de gravações e de muitos, muitos outros que o precederam, você sente a necessidade de chacoalhar a rotina?
Uma das coisas que acho mais difícil, em geral, é mudar os velhos hábitos. As pessoas que cresceram com Brahms, Schumann e Beethoven ouviram tantas vezes essas peças executadas de determinada maneira.
Elas estão simplesmente tão arraigadas que mesmo quando [essas pessoas] às vezes tentam, intelectualmente, mudar algo, na hora da execução caem com frequência naqueles gestos que escutaram quando eram jovens. Você simplesmente precisa ter tempo e repetições suficientes para criar uma nova tradição e fazê-la sua.
Isso é factível, em especial se fazemos esses "cursos de imersão total" em Beethoven e Schumann – todas as sinfonias em três dias, todas as sinfonias e aberturas de Schumann em dois dias.
É incrível como você pode se aproximar de um compositor se faz um programa realmente concentrado e segue alguns princípios, vendo como eles se aplicam a outras sinfonias, aberturas, e assim por diante. Pouco a pouco isso se torna uma linguagem com que é possível identificar-se, não apenas intelectualmente: ela vira parte da sua genética.
Você prefere abalar a rotina ou se empenhar para alcançar uma interpretação definitiva?
Não quero mudar as coisas per se, ou criar algo que jamais tenha sido feito. Muito pelo contrário: quero fazer algo que tenha sentido para mim. A única razão para eu repensar certas coisas é o fato de que elas nunca fizeram sentido para mim.
Talvez um dos motivos para o sucesso de nosso Beethoven é que mantemos nele uma grande parcela de tradição. A coisa tem que ser orgânica e possuir uma lógica interna.
Entrevista: Rick Fulker (av)
Revisão: Carlos Albuquerque