Mais de 300 mil crianças são obrigadas a guerrear
12 de fevereiro de 2002Napoleão Adok tinha 11 anos de idade quando viajou do Sudão para a Etiópia na condição de soldado. Como sabia escrever o próprio nome, Adok ficou responsável por um batalhão de 200 jovens entre nove e 15 anos de idade. "Eu fui treinado durante seis meses", conta o ex-guerrilheiro de 28 anos de idade.
Após este período de formação, Adok serviu o exército de libertação do Sudão, que lutava desde 1983 por liberdade religiosa e maior autonomia no sul do país. "Além de matar, também faziam parte das minhas tarefas, esconder minas nos campos e avançar por trás das frentes de combate dos inimigos", conta Adok. Durante a realização destas tarefas, o pequeno soldado presenciou a morte de muitos amigos em explosões nos campos minados.
"Crianças no exército são como minas, cheias de raiva e ódio", acredita Adok, que nunca vai esquecer determinadas imagens. Ele lutou durante sete anos na guerra civil do Sudão, mas deixou o exército de libertação em 1991, quando conheceu o trabalho da Unicef e da Cruz Vermelha e mudou-se para o Quênia, onde estudou. Hoje, Adok trabalha para uma organização que cuida de antigos soldados-crianças.
Cálculos das Nações Unidas apontam que cerca de 300 mil crianças em todo o mundo são obrigadas a pegar em armas. Grande parte delas é seqüestrada e obrigada a lutar em grupos revolucionários. Apesar da maioria das crianças ter entre 15 e 17 anos de idade, em alguns países as crianças aprendem a atirar aos sete anos.
"Enquanto antigamente as crianças eram apanhadas por não existir adultos em número suficiente, hoje elas são utilizadas justamente porque são crianças", diz Rory Mungoven da importante instituição inglesa Organisation Coalition to Stop the Use of Child Soldiers. Segundo ele, as crianças são usadas por serem baratas, fáceis de serem controladas e submetidas a lavagens cerebrais. A maioria delas se torna extremamente violenta. Muitos dos meninos e meninas também são seqüestrados para servir como escravos sexuais.
Não há mais desculpas
Inúmeros grupos de defesa dos direitos humanos lutam, há anos, contra a exploração de crianças nos exércitos em países como Sudão, Colômbia, Angola, Sri Lanka e Afeganistão. Um certo avanço foi conseguido com a entrada em vigor, nesta terça-feira (12), de um protocolo adicional da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas.
O documento, que foi assinado por 96 países e já foi ratificado por 14 deles, proíbe o recrutamento de jovens com menos de 18 anos de idade. Os exércitos só podem admitir voluntários que tenham mais de 16 anos de idade.
"Agora não existem mais desculpas para o uso de crianças como soldados ", disse a comissária superior da ONU para direitos humanos, Mary Robinson. Nos dias de hoje, já está comprovado que a perda da infância pode ter efeitos irreversíveis na vida de um ser humano.
Sinais de conscientização já estão aparecendo em alguns lugares do mundo. No Sudão, Congo e Serra Leoa, milhares de crianças foram dispensadas das forças armadas.
O próprio Napoleão Adok está convencido de que a entrada em vigor do protocolo da ONU foi apenas um pequeno passo. Ele está preocupado com que as crianças sejam reintegradas à sociedade através de opções de trabalho e estudos. "Saber que existiam alternativas foi o que me tirou do exército", explica Adok.
Milhares de pessoas estiveram nesta terça-feira em frente ao Palácio das Nações, em Genebra, empunhando mãos vermelhas de papelão para protestar contra a utilização de crianças em guerras ao redor do mundo.