Protestos religiosos
2 de abril de 2011Pelo menos nove pessoas foram mortas e 73 ficaram feridas neste sábado (02/04), em Kandahar, no sul do Afeganistão, em um segundo dia de protestos violentos contra a queima de um Alcorão por um evangélico radical nos Estados Unidos.
Um ataque suicida também atingiu uma base militar da Otan na capital, Cabul. Na véspera, manifestantes invadiram o prédio de uma missão da ONU na cidade de Mazar-i-Sharif, matando três funcionários europeus da entidade e quatro membros nepaleses da guarda do complexo, no pior ataque realizado contra a ONU no Afeganistão.
A violência chega a um novo ápice, no momento em que o país se prepara para a primeira fase da transferência de poderes para as tropas afegãs, e depois que o comandante das forças estadunidenses e da Otan no Afeganistão, general David Petraeus, havia feito uma avaliação otimista do progresso na guerra.
O ataque de sexta-feira, seguido por uma série de protestos no sábado, foi motivado por ações de pastores evangélicos, que promoveram a queima de um Alcorão diante de cerca de 50 pessoas em uma igreja evangélica na Flórida, em 20 de março.
Mortos tinham sinais de espancamento
Um grupo de cerca de 150 homens tomou as ruas de Kandahar para protestar contra a queima do Alcorão, incendiando pneus e quebrando lojas. Os manifestantes marcharam gritando "Morte à América" e "Morte a Karzai", atual presidente afegão.
Abdul Qayum Pukhla, chefe do setor de saúde pública da província de Kandahar, disse que alguns dos mortos apresentavam sinais de terem sido espancados e atingidos por pedras.
O porta-voz do governador da província afirmou que o protesto foi organizado pelos talibãs, que teriam usado a queima do Alcorão pelo religioso norte-americano como desculpa para incitar a violência. A cidade já foi um centro religioso talibã, mas o poder dos radicais islâmicos foi neutralizado por uma campanha militar agressiva liderada pela Otan.
Em Cabul, no sábado, um pequeno grupo de insurgentes vestidos de burca atacaram uma base da coalizão, embora tenham provocado apenas ferimentos leves em três soldados.
Calcula-se que novos protestos vão ocorrer no Afeganistão, país de população religiosa onde o sentimento contra o Ocidente tem sido alimentado há anos pela morte de civis. Cerca de mil pessoas protestaram pacificamente na província de Tahar, no norte do país, disse Shah Jahan Noori, chefe da polícia local.
Obama e Ban Ki-moon lamentam ataque à ONU
O presidente dos EUA, Barack Obama, condenou os distúrbios de sexta-feira em Mazar-i-Sharif, enquanto secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou o incidente de "um ataque ultrajante e covarde". O presidente afegão, Hamid Karzai, telefonou no sábado para Ban, expressando pesar pelo ocorrido.
A ONU ainda não divulgou as nacionalidades dos três funcionários civis mortos. Mas a Suécia afirmou que um deles era um cidadão do país de 33 anos. A Noruega disse que a outra vítima era uma militar de 53 anos. Diplomatas informam que o terceiro morto era romeno.
Após o fim das orações de sexta-feira, milhares de manifestantes invadiram as ruas de cidade Mazar-i-Sharif, considerada até agora relativamente segura. Muitos foram direto para a missão da ONU, rendendo guardas de segurança, queimando partes do complexo da organização e escalando um muro para derrubar uma torre de vigilância. Segundo a ONU, um dos estrangeiros mortos teve a garganta cortada.
Pastor não se sente responsável por incidentes
Cinco manifestantes afegãos também foram mortos no ataque à ONU e outros ficaram feridos, alguns deles, depois de tentar tomar as armas dos guardas de segurança. A violência pegou muitas pessoas de surpresa na cidade, uma das mais prósperas e estáveis do país. Alguns manifestantes afirmaram que não esperavam que os protestos fossem acabar em derramamento de sangue.
"É nosso direito de manifestação, porque eles queimaram o nosso livro santo, mas eu não estava lá para matar pessoas", disse jovem Habibullah, que foi ferido na perna. No entanto, alguns demonstravam pouca compaixão pelos estrangeiros mortos. "Participei na manifestação para amaldiçoar os estrangeiros, mas eu não estava armado", disse o comerciante Mohammad Rahim. "Mas não sinto pena dos funcionários da ONU mortos. Nosso povo é abatido por estrangeiros todos os dias", comentou.
Em 20 de março último, o pastor protestante Wayne Sapp queimou um exemplar do Alcorão em uma igreja da Flórida, nos Estados Unidos, na presença do pastor Terry Jones. Jones se tornou conhecido mundialmente ano passado, quando ameaçou celebrar os atentados de 11 de Setembro queimando um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos.
Na época, mesmo o presidente Barack Obama teve que intervir, e a manifestação foi cancelada no último instante, após receber pesadas críticas. Jones disse não se sentir culpado pelas mortes provocadas nos protestos. Muitos afegãos tiveram conhecimento da queima do Alcorão na semana passada, quando o presidente Karzai tachou publicamente o ato como um crime contra a religião e apelou para que os EUA e a ONU condenem os responsáveis.
MD/afp/lusa/dpa/rtr
Revisão: Augusto Valente