Mali passou de país modelo a refúgio de terroristas
14 de janeiro de 2013O Sahel engloba uma imensa área. Do Senegal, no oeste africano, até o Chifre da África, no leste do continente, ela se estende por 7.500 quilômetros, medindo 150 quilômetros de largura em seu ponto mais estreito e mais de 800 quilômetros no mais largo. Assolada pela seca e pela fome, a região mais pobre do planeta é marcada, em grande parte, por um vazio jurídico. O Estado de Direito quase não existe, os habitantes têm suas próprias leis.
Esse também é o caso no norte do Mali, que se localiza em grande parte na zona do Sahel. Durante muito tempo, o país foi considerado um modelo de república democrática na África Ocidental. Com uma Constituição, diversos partidos e uma Assembleia Nacional, o Mali evoluiu, nas últimas décadas, de um Estado de partido único para uma democracia mais ou menos eficiente.
Mas pouco disso sobrou. "O golpe contra o presidente foi certamente o estopim dessa situação", diz o especialista Peter Heine, professor emérito de estudos islâmicos na Universidade Humboldt, em Berlim.
Golpe de Estado
Em março de 2012, o Exército malinês forçou o presidente Amadou Toumani Touré a deixar o cargo e assumiu o poder. A justificativa dos soldados foi que Touré não teria capacidade de controlar a situação no país e se impor frente aos rebeldes tuaregues no norte do Mali. O mandato de Touré, que estava no poder desde 2002, teria durado somente mais algumas semanas, a eleição de um novo chefe de Estado era iminente.
Pelo menos a princípio, o golpe de Estado acabou favorecendo os tuaregues. No vazio de poder após o golpe, os tuaregues, que há décadas se sentiam desprezados pelo governo em Bamaco, formaram uma aliança com a rede terrorista Al Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM, na sigla em inglês). Mas pouco tempo depois os islamitas abandonaram a aliança e se afirmaram, finalmente, como principal força. Os tuaregues perderam sua influência.
Aliados islâmicos
O fato de a AQIM e outros grupos islamitas como o Ansar Diner serem tão poderosos no Sahel tem a ver com a fraqueza dos governos e com a estratégia da rede terrorista de assegurar uma enorme quantidade de dinheiro através do tráfico de drogas e de sequestros.
"Alguns governos pagam somas enormes para que seus cidadãos sequestrados sejam libertados", diz o especialista em África Peter Pham, do think tank norte-americano Conselho Atlântico. "Assim a AQIM arrecadou milhões nos últimos anos."
Também a queda do ditador líbio Muammar Khadafi fortaleceu a rede terrorista. Mercenários da zona do Sahel, que há muito tempo estavam a serviço de Khadafi, voltaram fortemente armados aos seus países de origem. "Desde o início da guerra na Líbia, os terroristas no Mali receberam muitas armas – e há muitos mercenários à procura de trabalho", diz Pham.
Heine diz que a influência da AQIM pode crescer também nos países vizinhos do Mali. "Isso pode evoluir para uma estrutura completamente anárquica", avalia, acescentando que os sequestros e o tráfico de drogas deverão se fortalecer ainda mais.
Terra sem lei
No norte do Mali não existe nada, disse o presidente deposto Touré ao periódico francês Le Monde Diplomatique: não há ruas, hospitais, escolas ou poços, nenhuma infraestrutura para a vida diária. "Um jovem da área não tem nenhuma oportunidade de casar e ou de levar uma vida boa, a não ser que ele roube um carro e se junte aos contrabandistas." E como se isso já não fosse desafio suficiente, diversos grupos islâmicos, sobretudo a AQIM, escolheram a região remota como refúgio.
Devido aos diversos problemas, o envio de tropas de paz, aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU no final de 2012, poderá ter somente um êxito limitado. É preciso definir com muito cuidado a meta dessa operação, diz o político social-democrata alemão Hans-Ulrich Klose, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Bundestag (câmara baixa do Parlamento). "Trata-se de expulsar a Al Qaeda do Magreb? E se assim for, para onde?"
O sucesso da operação militar francesa numa região tão grande e tão pouco desenvolvida é incerto. A experiência no Afeganistão mostrou como é difícil intervir numa região que oferece aos inimigos inúmeras possibilidades de refúgio, completa o político.
Reservas quanto ao próprio Exército
A especialista Charlotte Heyl, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), diz que muitos malineses desejam o máximo de participação de europeus. "Simplesmente porque eles não veem como o Exército malinês possa resolver o problema sozinho."
Segundo Heyl, também os preocupa o fato de o Exército do país encontrar-se dividido, tendo que lidar com muitos conflitos internos. "E eles também estão céticos quanto ao nível de formação dos próprios soldados", completa.
Autores: Allmeling/Knipp/Höppner (ca)
Revisão: Alexandre Schossler