Mar Negro: o valor geoestratégico de uma região em disputa
13 de agosto de 2023Desde o fim do acordo de grãos entre a Rússia e a Ucrânia, aumentaram os ataques a navios mercantes de ambos os lados. A Rússia vem bloqueando o acordo desde meados de julho, aumentando o bombardeio de portos ucranianos e ameaçando atacar navios cargueiros. A Ucrânia, por sua vez, declarou seis portos na costa russa do Mar Negro uma área de risco de guerra e está ameaçando executar ataques de retaliação contra cargueiros, petroleiros e instalações portuárias russas. Para ambos os Estados, o Mar Negro é, por assim dizer, a porta de entrada para o mundo, e sua importância estratégica e econômica é imensa. Mas os outros países vizinhos, sobretudo os membros da Otan Turquia, Bulgária e Romênia, também têm interesses concretos neste mar interior entre a Europa e a Ásia.
Área primordial de interesse russo
A Rússia sempre considerou o Mar Negro áre dentro de sua esfera de influência. Já durante o Império Czarista e mais tarde nos tempos soviéticos, o mar formava o flanco sul da grande potência. Até hoje, é visto como um trampolim a partir do qual a Rússia pode afirmar sua influência no Mediterrâneo, Oriente Médio, norte da África e sul da Europa. O Mar Negro também dá à Rússia acesso a países mais distantes nos quais ela é militarmente ativa, como a Síria e Líbia. Na cidade síria Tartus, a Rússia possui uma base naval própria.
O coração militar da Rússia na região é a Frota do Mar Negro, que desde 1793 tem seu quartel-general em Sevastopol. A cidade portuária na península da Crimeia, anexada pela Ucrânia desde 2014, tem um significado especial para Moscou. Porque tem um dos raros portos de águas profundas sem gelo na Rússia que pode ser usado pelos militares mesmo no inverno.
O quanto Moscou está empenhada em manter sua hegemonia sobre a região do Mar Negro é algo demonstrado pelos numerosos conflitos regionais que foram deliberadamente alimentados nos últimos anos. Como resultado, enquanto a Rússia possui apenas cerca de 10% de toda a costa do Mar Negro sob a lei internacional, ela atualmente controla cerca de um terço do litoral, pois continuou a expandir as áreas sob sua influência.
Em 2008, Moscou interveio na Geórgia e estabeleceu duas repúblicas não reconhecidas internacionalmente, leais à Rússia, incluindo a Abcásia, na costa leste do Mar Negro; em 2014, a Rússia anexou a península da Crimeia e, desde o início da guerra na Ucrânia em 2022, conquistou e ocupou grandes partes do sul da Ucrânia no Mar Negro.
O Mar Negro também é de imensa importância para a Rússia em termos comerciais. A maior parte das exportações de grãos, fertilizantes e outros produtos de Moscou é feita através dos portos da área. A rota comercial através do Mar Negro também está ganhando importância porque podem ser enviadas por ela mercadorias a países que não aderiram às sanções ocidentais contra a Rússia.
Ucrânia: rota comercial vital
Se o Mar Negro já é de grande importância para a Rússia como rota comercial, isso se aplica ainda mais à Ucrânia. Em tempos de paz, a Ucrânia enviava mais de 50% de suas exportações totais através de seu maior porto no Mar Negro, em Odessa. Sobretudo os grãos para o mercado mundial eram lá embarcados até que o acordo de grãos com a Rússia expirou em meados de julho. Pois a região do Mar Negro também é considerada um dos maiores celeiros de cereais do mundo. Antes do início da guerra, a Rússia e a Ucrânia eram responsáveis, juntas, 60% das exportações globais de óleo de girassol, quase 24% de trigo e cerca de 19% de cevada.
O fato de a Rússia e a Ucrânia estarem agora mirando cada vez mais os navios mercantes inimigos está diretamente relacionado a isso. Ambos os países seriam duramente atingidos economicamente por uma desaceleração no tráfego de mercadorias no Mar Negro. E mesmo que a Ucrânia tenha diversificado suas rotas de exportação sob o impacto da guerra – apenas 40% dos grãos ucranianos são exportados através do Mar Negro , o resto, por terra através da UE – Kiev permanecerá dependente de uma exportação de mercadorias por mar por um longo tempo.
Europa: corredor entre adversários políticos
Assim, enquanto a Rússia e a Ucrânia luram pelas rotas comerciais norte-sul, a conexão leste-oeste está se tornando cada vez mais importante para Bruxelas. Com a Romênia e a Bulgária, a UE tem dois membros na costa do Mar Negro, tendo já sido concluídos acordos de associação com a Geórgia e a Ucrânia.
Em Bruxelas, o Mar Negro é cada vez mais visto como um importante corredor para o transporte de mercadorias e energia entre a Ásia e a Europa. Como a Europa quer se tornar cada vez mais independente do petróleo e do gás russos, o foco está cada vez mais nos países produtores do Cáucaso, principalmente no Azerbaijão. Baku exporta petróleo e gás para a Europa via Geórgia e Turquia.
A rota através do Mar Negro contorna a Rússia ao norte e o Irã ao sul e, portanto, é de particular importância estratégica para os europeus, que impuseram severas sanções econômicas a esses dois países.
Por isso, a Otan também tem fortes interesses de política de segurança no Mar Negro. De 1997 até o início da guerra na Ucrânia, a aliança militar ocidental realizou anualmente grandes manobras na área. Entretanto, somente três marinhas da Otan têm presença constante na região: as da Bulgária, Romênia e Turquia. Isso remonta ao Acordo de Montreux, concluído em 1936, que garante à Turquia total soberania sobre o Bósforo e os Dardanelos – a única saída do Mar Negro em direção ao Mediterrâneo.
Imediatamente após o início da guerra em fevereiro de 2022, a Turquia bloqueou a passagem de todos os navios de guerra, não apenas os russos, de modo que o equilíbrio de poder das forças navais no Mar Negro foi preservado desde então.
Turquia: equilíbrio como meta
A Turquia tem, portanto, uma posição geoestratégica chave, pois controla o acesso ao Mar Negro – algo garantido por tratados internacionais. Ancara é o membro mais importante da Otan na região do Mar Negro e se vê como um centro de comércio entre a Ásia Central, o Cáucaso e o Oriente Médio.
A Turquia está bastante empenhada em assegurar o seu papel de liderança na região face à Otan. A relação com a Rússia é particularmente importante para Ancara. Tanto em Ancara, como em Moscou, o Mar Negro é visto como uma zona de interesse absolutamente prioritária. A Turquia está monitorando cuidadosamente para que o equilíbrio de poder na região do Mar Negro, desenvolvido ao longo de décadas, seja amplamente mantido. O Tratado de Montreux dá a Ancara a oportunidade de deixar de fora outros atores – incluindo a Otan – na região do Mar Negro. E isso, por sua vez, também é algo que agrada Moscou.