Massacre de Iguala deve provocar terremoto político no México
11 de novembro de 2014"O governo mexicano cometeu um grande erro ao tentar, nos primeiros dias após o massacre, classificar o crime como um problema local", diz o ex-porta-voz do governo mexicano Rubén Aguilar Valenzuela. "A confiança se esvaiu. A população desconfia da capacidade do Estado de solucionar a crise", afirma político e sociólogo, referindo-se ao recente caso dos 43 estudantes desaparecidos no estado de Guerrero.
Os jovens sumiram de Iguala no dia 26 de setembro, sem deixar rastros. Até o momento, 19 valas comuns foram localizadas nos arredores da cidade, e 74 suspeitos, presos. Entre eles, estão o prefeito de Iguala, José Luis Abarca, e sua esposa, Maria de los Ángeles Pineda, acusados de ter ordenado a detenção e a entrega dos estudantes a um cartel local.
Na última sexta-feira, o procurador-geral do México, Jesús Murrillo Karam, trouxe à tona detalhes sobre as confissões de três supeitos. De acordo com os detidos, os jovens teriam sido entregues pela polícia local a membros do cartel Guerreros Unidos. Os criminosos, por sua vez, teriam assassinado, queimado e fragmentado em várias partes os corpos dos jovens. Os restos mortais teriam sido jogados num rio.
As confissões chocaram e causaram perplexidade na sociedade mexicana. "Os detidos falam diante das câmaras, indiferentes e frios, como se no crime se tratasse de um transporte de gado", escreveu o jornal El País. "Para eles, o genocídio parecia rotina. O México vai ter dificuldades para esquecer essas palavras."
Além de desencadear a maior crise já enfrentada pelo governo do presidente Enrique Peña Nieto, o caso de Iguala deve abalar as estruturas do Estado mexicano, apontam especialistas. Os resultados das investigações realizadas até o momento mostram um estreito envolvimento entre partidos, políticos e máfia.
O mais envolvido no caso parece ser o esquerdista Partido de la Revolución Democrática (PRD), criado em 1989. Segundo notícias na imprensa, não só o prefeito de Iguala, mas também o ex-governador do estado de Guerrero, Ángel Aguirre, membro do PRD, teria participado do desaparecimento.
Cumplicidade com criminosos
"Iguala revela uma nova dimensão", afirma o escritor e filósofo mexicano Héctor Aguilar Camin. "Até o momento, havia um tipo de cumplicidade das instituições públicas com o crime organizado. Agora, temos uma situação em que um detentor de um cargo público, o prefeito de Iguala, é considerado um criminoso. Temos que nos perguntar quantos prefeitos como ele existem no México."
A Anistia Internacional (AI) afirma que o massacre de Iguala não é um caso isolado. "Iguala faz parte de uma série de crimes cruéis que tiveram lugar em Guerrero e em todo o país nos últimos anos", diz Erika Guevara Rosas, diretora da organização para as Américas. "Corrupção e violência sempre foram visíveis. Aqueles que ignoraram isso de forma consciente são os cúmplices dessa tragédia."
Segundo informações da AI, muitas investigações de crimes semelhantes foram arquivadas precocemente no México. Em 2011, estudantes da escola agrícola de Ayotzinapa foram torturados e assassinados. Até hoje, o crime não foi esclarecido, e as investigações cessaram em maio de 2014.
Além disso, de acordo com Rosas, o próprio prefeito de Iguala teria participado da morte de três ativistas em 2013. A diretora da AI critica as autoridades. "Na época, se as graves acusações contra o prefeito de Iguala tivessem sido investigadas, talvez o massacre dos estudantes pudesse ter sido evitado", afirma.
Para ela, o presidente mexicano perdeu a credibilidade. "O governo rejeitou a ajuda da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apesar de ela defender a importância de se esclarecer o caso."
Para Camin, o México se encontra numa encruzilhada política. "O país passa por um momento existencial", afirma o escritor. "O Estado se vê obrigado a se posicionar de forma clara contra o crime organizado e os protestos da população. Os resultados das investigações do caso Iguala serão decisivos para impedir um final trágico."