Mediador entre a África e o mundo
13 de outubro de 2002Em seu discurso de agradecimento, Achebe disse que começou a escrever para corrigir a imagem negativa dos africanos em quase todos os livros americanos ou europeus. "Eu não queria descrever meus conterrâneos nem melhor nem pior do que eles são. Me pareceu simplesmente uma questão de justiça, que eu tentasse dar-lhes um rincão, um lugar nas minhas histórias", disse o autor, que só se locomove numa cadeira de rodas, desde um grave acidente em 1990.
"A África de Achebe não é um continente idílico e inocente, mas tem cultura, o que a literatura européia insistiu em negar-lhe até agora", disse o professor Thomas Berchem, presidente do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), que discursou em nome do Comércio Livreiro.
Nascido em 1930 em Ogidi, no leste da Nigéria, Chinua Achebe lançou-se como escritor em 1958 com Things Fall Apart, romance que o projetou internacionalmente e já foi traduzido para 50 línguas. Heinrich Bergstresser, redator da Deutsche Welle, opina sobre a distinção conferida ao escritor, como parte da programação da Feira Internacional do Livro de Frankfurt:
Chinua Achebe, um dos mais importantes escritores da África, está sendo contemplado tarde, mas não tarde demais, com o prestigioso e internacionalmente conceituado Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão. Esta distinção é mais do que uma mera compensação pelo fato de ser preterido na concessão do Nobel de Literatura, atribuído em meados da década de 80 pela primeira vez a um africano, ao também nigeriano Wole Soyinka, embora Achebe fosse considerado há muito um dos mais sérios concorrentes. Trata-se de uma distinção mais do que merecida a um intelectual africano criativo, que elaborou literariamente de maneira exemplar para toda a África as contradições e transformações de sua sociedade.
Mediador entre as culturas
O choque cultural ocasionado pelos senhores coloniais atravessa suas obras como um fio condutor, sendo que, como escritor, Achebe encontra-se entre a tradição e a modernidade, entre fenômenos de dissolução e a reconstrução, entre sua etnia ibo e os inúmeros outros povos de sua pátria, entre o animismo e o cristianismo, entre a África e a Europa. E tenta constantemente, com os recursos da escrita, fazer convergir os contrastes e as contradições, haurir das experiências negativas do passado a esperança para o futuro. Achebe vê a si próprio no papel do mediador, semelhante ao tradicional e sábio chefe de tribo, que ouve todos os envolvidos num conflito e tenta reconciliá-los, para que as coisas não descambem de vez.
Anseio de paz como traço da personalidade
Já neste ponto transparece seu engajamento em prol da paz, que se transformou, especialmente após as experiências traumatizantes da guerra civil em seu país, em fins dos anos 60, em traço essencial de sua personalidade. Ele tomou partido ao lado dos secessionistas que pretendiam uma Biafra autônoma, mas malograram e que, ao contrário de Achebe, até hoje não superaram a derrota na sangrenta e desesperada luta. É que no caso de Achebe, o otimismo triunfa, apesar de todos as implicações trágicas. Para ele, atrás de cada inimigo esconde-se um amigo, para além do ódio floresce o amor, e o forte da África, com todos os seus conflitos, é a capacidade de relacionamento das pessoas.
Leitura obrigatória
Diante destas constatações, não é de admirar que a prosa de Achebe, facilmente compreensível, apesar de escrita num inglês africanizado e enriquecida com ditados e sabedorias populares, se tenha tornado leitura obrigatória nas escolas da Nigéria e de outros países africanos e tenha sido traduzida para inúmeros idiomas. Estes fatos já teriam sido suficientes para colocá-lo no mesmo patamar que o Nobel de Literatura Soyinka, cujo domínio do inglês causa admiração mesmo entre britânicos cultos, mas cuja obra só é acessível a um público restrito em função de sua complexidade.
Reconhecimento merecido
O Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão é o coroamento digno da criação de Chinua Achebe e fecha definitivamente a lacuna que o separava de seu colega de profissão Soyinka, se é que ela alguma vez existiu. Aos poucos, a geração que ele representa está se retirando da ativa na literatura. Mas as precisas descrições literárias da realidade africana e as instruções nelas contidas de como agir para superar os fossos sociais perdurarão. Os responsáveis pelo prêmio devem ter pensado nisso também, enquanto não está à vista, nem de longe, uma nova geração de escritores do formato de Achebe e Soyinka.