Medo de queda social faz tremer a classe média da Alemanha
14 de outubro de 2022Professores, funcionários públicos, técnicos: eles são muitos na Alemanha e até agora vinham vivendo bem. A classe média é um pilar da sociedade que há muitos anos sustenta o país. Há diversas definições e consultas sobre quem, exatamente, a compõe, mas, a grosso modo, seria quem ganha de 80% a 150% do salário médio. Para solteiros, isso equivale de 1.350 a 3 mil euros líquidos por mês, para famílias, de 2.800 a 5 mil euros.
Ao todo, a classe média abarca a metade da população da Alemanha. Responsável por grande parte da arrecadação de impostos, ela garante a manutenção do Estado social e do bem-estar, via de regra tem grande confiança na democracia e cuida para que reine uma certa estabilidade.
Há muitas décadas, pertencer à classe média é uma meta estimulante. Tão estimulante que alguns se incluem nela mesmo sem lhe pertencer do ponto de vista socioeconômico. Assim, numa pesquisa da Fundação Bertelsmann e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 73% se definiam como de classe média.
"Ainda existe na Alemanha uma classe média relativamente ampla, de que uma parcela significativa da população faz parte – ou pelo menos pode fazer, com esforço e aplicação", explica Patrick Sachweh, do Centro de Pesquisas sobre Desigualdade e Política Social da Universidade de Bremen.
"O meio sempre foi um ponto a que se dirigiam as aspirações de status dos que ainda não faziam parte dele. E era uma espécie de centro integrador da sociedade."
Por muito tempo, a classe média representou uma promessa de ascensão na Alemanha – e ainda hoje, até certo ponto. No país, ela é um pouco maior do que a média da OCDE, mas na Dinamarca ou na Eslováquia, por exemplo, é ainda bem mais ampla.
Grupo social em extinção?
Mas, ao que tudo indica, os anos dourados se foram. Sobretudo "para os jovens está cada vez mais difícil assegurar um lugar na classe média", constata a análise da Bertelsmann e da OCDE. A probabilidade de integrar o grupo é hoje, em média, 10% mais baixa do que em meados dos anos 1990.
No geral, a classe também está em retração: de 1995 para 2018, a parcela de médios assalariados na Alemanha caiu de 74% para 67%, tendo a redução mais pronunciada ocorrido até 2005. Por sua vez, a queda ou ascensão para os grupos sociais adjacentes se intensificou.
"Seguimos tendo uma classe média ampla e estável", afirmou à revista Der Spiegel Dorothee Spannagel, diretora do Departamento de Política de Distribuição do Instituto de Ciências Econômicas e Sociais (WSI), ligado aos sindicatos. "Porém, ela se esgarça no extremo inferior. O sentimento que predominava – de que com uma formação profissional sólida se teria uma renda assegurada e talvez se pudesse comprar uma casinha – se desfez gradativamente."
A consequência é que a promessa de ascensão foi substituída pelo medo, como se vê bem nitidamente refletido na atual crise. Segundo o pesquisador da pobreza Christoph Butterwegge, falando à emissora MDR, há muito a pobreza deixou de ser um fenômeno dos grupos marginais, manifestando-se em famílias perfeitamente tradicionais. Prova disso é o recorde de pessimismo dos alemães em relação a sua renda futura, como registrado pela Sociedade de Pesquisa do Consumo (GfK).
O medo de não poder arcar com as despesas do dia a dia já leva alguns ao desespero, observa Maike Cohrs, do serviço de aconselhamento para endividados Schuldnerberatung: "Notamos muitos da classe média-baixa, que trabalham e na verdade poderiam estar bem com sua renda, mas que rapidamente entram em dificuldades devido a obrigações financeiras, aluguéis altos e agora o aumento dos preços da energia e do custo de vida".
Na classe média-baixa estão os que dispõem de 1.400 euros por mês e que em 2018 eram 18 milhões na Alemanha. Sachweh também os vê como um grupo muito vulnerável à atual inflação e à crise energética: "A média dos ativos da classe média-baixa é de 40 mil euros, mas muitos devem ter bem menos do que isso. Assim, não há muitas reservas a que recorrer para encarar essa alta de preços."
Segundo os critérios do Instituto Econômico Alemão (IW), uma unidade residencial que empregue mais de 10% de sua renda líquida em gastos de energia é considerada "energeticamente pobre". Entre 2021 e 2022, esse subgrupo da classe média-baixa dobrou para quase 41%: sem reservas financeiras, a alta atual poderá confrontá-lo com dificuldades consideráveis. Para Sachweh, é tarefa da política não esquecer esses cidadãos e apoiá-los dentro de suas necessidades.
Capital humano em vez de bens materiais
Embora as classes média e alta provavelmente venham a ser menos afetadas pela crise energética e a inflação nos próximos meses, Sachweh detecta uma diferença em relação a crises anteriores, pois a autoimagem desse pilar da sociedade, tão seguro de si e bem situado, poderá se alterar.
Até agora, uma parte da classe média tem cultivado um estilo de vida que o pesquisador da Universidade de Bremen define como "trabalho de status por investimento", baseado na perspectiva de poder investir com lucro a renda adquirida, por exemplo numa casa própria. Devido às taxas de juros e à alta de preços, contudo, essa é cada vez menos uma opção real para a classe média.
A fim de amortecer essa perda, a classe poderia se transformar, de modo a investir em "capital humano", em vez de bens materiais, sugere Sachweh. Em outras palavras: na formação, por exemplo, da própria prole, com a esperança que, por sua vez, os filhos alcancem aquilo que sempre foi a doce sedução da classe média: prosperidade, ascensão e um lugar garantido na sociedade.