Membros do EI enfrentam julgamentos controversos no Iraque
12 de setembro de 2017"Estou à procura de meu filho", diz uma mulher vestida de preto, em frente aos muros altos que cercam a corte iraquiana onde acusados de fazer parte do grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI) são julgados. Há oito meses, o filho dela foi preso com o resto da vila – cerca de 275 homens. "Alguns foram liberados, mas ele, não. Mas eu sei que ele é inocente."
A mulher, Sariah Yahya, diz que procurou por ele por todos os lugares. Mas seu filho, Luay, um agricultor que tem dois filhos, não consta na lista de nenhuma das prisões informais onde o Exército do Iraque mantém os membros do EI.
Por isso ela foi procurar pelo filho no Tribunal de Justiça da cidade cristã de Qaraqosh. "Nenhuma mãe de um membro do Daesh iria se atrever a perguntar pelo filho aqui", afirma, usando o argumento que, para ela, prova a inocência do filho e usando o nome árabe do EI.
Yahya olha fixamente para um caminhão preto que traz prisioneiros – em sua maioria, homens jovens que entram pelo portão principal da corte, vão em direção ao jardim e são obrigados a se ajoelhar e aguardar. Sua decepção é perceptível: seu filho não está entre os homens algemados, com os olhos vendados e a cabeça raspada que vão se apresentar, vestidos com macacões de cores marrom e amarelo, a um dos juízes.
Julgamentos rápidos
Duas cortes investigativas especiais foram criadas para julgar membros do EI, uma em Mossul e a outra em Qaraqosh. Esta cidade carrega as cicatrizes do domínio cruel do EI e da luta destrutiva contra a milícia terrorista. Qaraqosh está, em grande parte, enegrecida pela fumaça dos incêndios provocados pelo EI para distrair os bombardeiros. Muitas casas e a maioria das igrejas foram destruídas.
Grande parte dos habitantes não retornou depois da fuga, em 2014, e, fora o alvoroço nos tribunais, a cidade está praticamente vazia. Num tribunal civil perto da corte onde membros do EI são julgados, as pessoas podem exigir indenizações ou autentificar documentos. A proximidade entre os dois tribunais faz com que o local seja um ponto de encontro entre vítimas e agressores.
No tribunal investigativo, presidido por Younes Mahmoud al-Jumaidi, cerca de 50 casos são processados por dia por dez juízes e seis procuradores. Uma mulher aguarda de pé na recepção do escritório do juiz. Quando ela é levada embora, o juiz diz que ela é uma das acusadas. No entanto, a grande maioria é formada por homens, alguns dos quais continuam negando sua culpa apesar de evidências claras contra eles. "A lei não protege o estúpido", diz Jumaidi.
Muitos admitem ter aderido ao EI, mas afirmam que eram cozinheiros ou guardas e dizem não ter matado ninguém nem desafiado autoridades. Eles sabem que isso pode definir se irão para a prisão ou se serão executados. Depois que as acusações contra eles estiverem prontas, eles serão julgados por um tribunal penal especial em Qaraqosh ou em Bagdá. A maioria dos "peixes grandes", bem como combatentes estrangeiros, foi transferida para ser julgada na capital.
"Sempre haverá recurso, mesmo que o acusado não o solicite, pois esses casos podem levar a uma sentença de morte", explica Jumaidi. A afirmação é uma reação a críticas de organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch, que dizem que a velocidade com que os casos estão sendo analisados afeta a diligência do tribunal. "A maioria é presa com base em provas claras", ressalta, e todos têm advogado. Se a família não arrumar um, o tribunal irá fazê-lo.
O tribunal baseia suas decisões em informações das forças militares que capturaram o acusado e também de vizinhos e outros civis que preenchem questionários sobre os supostos criminosos. E é aí que algo pode dar errado, diz Seif Rubaie, um dos advogados que aguarda do lado de fora do portão até seu cliente ser levado perante os juízes.
Às vezes, as denúncias foram feitas para acertar contas antigas, e o acusado acaba sendo liberado depois de passar meses na cadeia, quando sua inocência é comprovada. É isso que acontece com até 20% de todos os presos levados à corte de Jumaidi.
Prisões superlotadas
Outros foram acusados por engano porque têm o mesmo nome de alguém na lista oficial de membros do EI, diz Rubaie. Esse problema é recorrente num país onde as pessoas são registradas com o nome do pai ou do avô em vez de um sobrenome de família, o que faz com que haja muitos nomes iguais.
Rubaie diz que aceita defender somente clientes que são claramente inocentes. "Eu não represento nenhum membro do Daesh com provas claras contra ele." Quando questionado se isso não é incompatível com o conceito de justiça, ele concorda que todos têm direito a um julgamento justo. "Mas é uma questão pessoal. Mesmo se me oferecessem 1 milhão de dólares, eu não os defenderia. Perdi minha casa e meu negócio por causa do Daesh", diz Rubaie.
Suas queixas se referem principalmente às prisões, onde seus clientes provavelmente inocentes são mantidos ao lado de criminosos do EI. "Isso não é justo", diz Rubaie, que descreve as cadeias como superlotadas e tão quentes que alguns prisioneiros chegaram a morrer. Ele não pode falar com seus clientes, pois ninguém pode visitar essa prisões salvo a Cruz Vermelha Internacional.
A ONG Human Rights Watch descreveu essas cadeias informais, abrigadas em instalações privadas e controladas principalmente por militares, como tão lotadas que só há lugar em pé e não há instalações sanitárias.
De acordo com Rubaie, cerca de mil presos estão sendo mantidos nesses tipos de instalação somente na cidade de Qayyara, a 60 quilômetros de Mossul. No entanto, o número total de prisioneiros do EI sob custódia não é conhecido, assim como não há registro dos muitos iraquianos que estão desaparecidos, como o filho de Sariah Yahya.
Ninguém acredita que todos os infratores serão julgados. Alguns podem ter escapado pagando propina para a pessoa certa – o que Sariah Yahya insinua ser o caso de alguns dos moradores de sua vila, que foram liberados após serem presos. E, enquanto corpos de supostos membros do EI mortos por civis ou militares surgem diariamente nas margens do rio Tigre, os ataques da milícia terrorista contra civis e vilas também continuam.