Mercosul se reúne para destravar proposta de livre comércio com a UE
14 de novembro de 2013Os ministros das Relações Exteriores dos países-membros do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – reúnem-se nesta sexta-feira (15/11) em Caracas, na Venezuela, com a missão de destravar as negociações de uma área de livre comércio com a União Europeia (UE).
O maior entrave para a costura de uma proposta única é a Argentina. Até a semana passada, o país governado por Cristina Kirchner não havia finalizado a relação de produtos que, juntamente com as listas de Brasil, Uruguai e Paraguai, deverá ser apresentada para a UE em dezembro. Essas listas incluem os produtos com tarifa de importação liberada ou reduzida.
Até mesmo o Paraguai – que ainda não retornou oficialmente ao bloco –, já apresentou uma proposta de produtos que entrariam no futuro acordo com a UE. Recém-chegada ao Mercosul, a Venezuela pretende ficar de fora das negociações, mas deverá aceitar as condições fechadas pelos países parceiros.
"Mesmo com todas as dificuldades, os países-membros deverão chegar a um acordo, mas a proposta a ser apresentada será bem modesta", afirma o economista Evaldo Alves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "A velocidade para se fechar um acordo entre Mercosul e UE é muito mais por conta da crise econômica dos dois blocos, mas com perspectivas diferentes. A Europa com perspectiva de recuperação e o Mercosul em crise."
Principais demandas ficam de fora
A crise política e econômica das principais economias do bloco sul-americano deve se refletir no acordo a ser fechado com a UE. A Argentina tem grandes problemas, como a desvalorização do peso e a alta inflação, e teme também que a liberalização de tarifas agrave os problemas econômicos do país. A Venezuela, por sua vez, passa por problemas semelhantes, além da falta de produtos básicos nos supermercados e controle estatal de preços.
Dessa forma, é bem provável que as principais demandas dos dois blocos econômicos – do lado europeu, a abertura do Mercosul aos produtos industrializados da UE; do lado sul-americano, a facilitação de entrada na UE dos produtos agrícolas do Mercosul – sejam somente parcialmente atendidas quando as propostas forem colocadas à mesa de negociações em Bruxelas, na Bélgica, a partir do início do ano que vem.
"Os principais problemas internos do Mercosul dizem respeito às assimetrias entre os países, o que dificulta a formulação de políticas comuns para organismos internacionais e outros blocos regionais, como a UE. Na área externa, a baixa competitividade dos produtos do bloco chama a atenção", afirma o historiador Carlos Eduardo Vidigal, da Universidade de Brasília (UnB).
O bloco europeu é o maior parceiro comercial do Mercosul. Já os sul-americanos são o oitavo maior parceiro da UE. Em 2012, os europeus exportaram 50,3 bilhões de euros para o Mercosul, que vendeu 49,2 bilhões de euros em produtos. O Mercosul representa 58% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina.
Os principais produtos comprados pelo Mercosul são máquinas, equipamentos para transporte e produtos químicos. Grande parte do volume comprado pelos europeus corresponde a produtos agrícolas, combustíveis e minérios.
“Plano B” do Brasil pode decretar fim do Mercosul
As negociações entre Mercosul e UE para a criação de uma área de livre comércio se arrastam desde 1999, sendo que o projeto foi colocado em banho-maria em 2004. As conversas foram retomadas oficialmente em maio de 2010 – quando foi fechado um pacto em que os dois blocos realizariam ofertas substanciais.
Se as negociações entre os países do Mercosul não se concretizarem desta vez, há a possibilidade de o Brasil realizar uma proposta unilateral para a UE ainda em dezembro – opção descartada com veemência pelo secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Daniel Godinho.
"Nós faremos esse esforço por meio de uma oferta consolidada. Esse é o nosso único objetivo no momento", afirmou Godinho. "Estamos realmente trabalhando para consolidar essa oferta do bloco e esse é o nosso único objetivo. Essa é uma negociação difícil, há resistências, mas esperamos superar essas dificuldades até o final do ano."
Caso o Brasil opte por um voo solo, isso praticamente significaria o fim do Mercosul. Mas essa não é a sinalização dada pela presidente Dilma Rousseff. "No entanto, é possível que, numa situação limite, os negociadores brasileiros apresentem uma proposta unilateral para os próximos anos e não para início imediato. Seria, nesse caso, o início do fim do Mercosul como um bloco", acrescentou o economista Pedro Raffy Vartanian, da Universidade Mackenzie.
A proposta brasileira para o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia deverá ser agressiva e vai englobar entre 85% e 90% do comércio bilateral entre o Brasil e o bloco europeu. Os produtos da lista teriam uma redução de tarifa de importação a cada dois anos até se chegar a zero, nos próximos 10 a 15 anos.
Outras economias correm para fechar acordos
Se por um lado o Mercosul se arrasta com seus problemas políticos e econômicos e tem dificuldades para fechar o acordo de livre comércio com a UE, outros blocos e países correm para facilitar o comércio com outras economias mundiais.
Diferentemente do Mercosul, que precisa da anuência de todos seus países-membros para fechar um acordo, os países que formam a Aliança do Pacífico – Chile, Peru, Colômbia e México – têm a flexibilidade de negociar individualmente com outras economias. Assim, não é à toa que a UE já tem um acordo com Chile e México e, desde a metade de 2013, com Peru e Colômbia.
A UE também fechou acordo com o Canadá em outubro último e já sinalizou que pretende acelerar as conversas com o Japão e com os EUA – um acordo com os americanos representaria um terço do comércio internacional e metade da riqueza produzida no mundo.
Heinz Hetmeier, chefe do setor de Política Comercial do Ministério da Economia e Tecnologia alemão (BMWi), diz que as negociações entre EUA e UE ocupam o primeiro lugar na agenda bilateral do bloco europeu. Já acordos com o Japão e com países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) – formada por países como Cingapura, Camboja, Indonésia e Malásia – também são prioridades.
"O Mercosul também poderia ocupar um lugar elevado na nossa agenda, mas somos confrontados com uma postura hesitante nas negociações por parte do Mercosul", declarou Hetmeier à DW Brasil.