Crianças de rua
9 de dezembro de 2010Crianças de rua são comumente associadas aos países pobres. No entanto, nas nações desenvolvidas também há jovens sem abrigo. Além de necessitar de moradia e comida, eles precisam de educação. Mas como integrá-los no ambiente escolar ou ajudá-los em sua formação se o ambiente de ensino é a própria rua?
São com essas questões que os alunos do Master-Studiengang Straßenkinderpädagogik se ocupam. Trata-se de um mestrado para especialização de educadores que trabalham com jovens moradores de rua. O curso, que teve início no segundo semestre de 2007, na Alemanha, é resultado da parceria entre quatro instituições: as Faculdades de Pedagogia de Heidelberg e de Freiburg, assim como as universidades das duas cidades.
Segundo a assistente de pesquisa e coordenadora Ute Schnebel, a ideia surgiu a partir do projeto Pátio 13, uma parceira entre a Alemanha e a Colômbia que visa incluir a pedagogia direcionada às crianças de rua na formação acadêmica dos professores.
O mestrado partiu dessa iniciativa e expandiu seu propósito inicial. "Nossa proposta é divulgar o conhecimento sobre a problemática das crianças marginalizadas mundo afora, desenvolver uma nova didática e metodologia para sua formação e sensibilizar e instruir especialistas a fim de que realizem tal tarefa", afirma Schnebel.
O curso, de acordo com a coordenadora, qualifica especialistas em pedagogia para que eles melhorem a qualidade de vida e perspectivas dessas crianças através de uma formação contínua, com acompanhamento desde o início da alfabetização até a conclusão do ensino.
Quando não conseguem encaminhar as crianças para uma escola ou instituição de apoio, os educadores lecionam na própria rua. Munidos de livros, recortes e canetas coloridas, eles improvisam uma sala de aula nas calçadas e, entre carros e transeuntes, repassam seus conhecimentos de matemática, leitura, ciências e outras disciplinas.
Turma multicultural
Dos 17 estudantes do mestrado, sete são estrangeiros. A maioria já trabalhou com o tema, como é o caso do brasileiro Severino Ferreira da Silva. Durante três anos, o pernambucano da cidade de Caruaru teve a oportunidade de fazer parte de um projeto em que atuava como educador de meninos e meninas de rua na sua cidade natal.
Com licenciatura em história, Severino já morava na Alemanha quando soube do curso. "Achei que seria uma oportunidade muito interessante, afinal eu estava familiarizado com a temática e queria continuar próximo das questões educacionais", diz.
A turma ainda é formada por estudantes do México, da Colômbia e do Chile, além de alemães com experiência pedagógica em países em desenvolvimento. É nesse ambiente globalizado que os estudantes trocam experiências sobre a condição das crianças em vários países.
Problema também nos países ricos
Mas o problema não atinge apenas países em desenvolvimento, ainda que, nas nações industrializadas, ele não tenha as mesmas dimensões. "Na Alemanha, a situação das crianças e jovens marginalizados é, obviamente, diferente do que na Colômbia, por exemplo", afirma Schnebel. "Mas aqui também existem muitas crianças que estão fora do sistema educacional".
Segundo ela, uma em cada três crianças alemãs com menos de 18 anos cresce em ambientes de risco dos pontos de vista cultural, social e financeiro, o que muitas vezes afeta negativamente o sucesso escolar.
"Em 2008, a taxa de abandono da escola na Alemanha foi de 7,4%. Eles deixam a escola sem terminar os estudos e têm baixas perspectivas, já que muitas vezes vivem com a ajuda do governo", diz.
Para tentar melhorar ao menos um pouco esse cenário, os estudantes atuam na Escola de Rua de Mannheim, uma cooperação entre a Universidade de Heidelberg e um abrigo da cidade alemã de Mannheim. "Os alunos do curso acompanham os jovens do abrigo no seu percurso até conseguirem voltar para a escola. Para isso eles desenvolvem uma didática e metodologia especial para alcançar esse grupo", afirma Schnebel.
Teoria colocada em prática
Ainda que em cada país a situação das crianças de rua seja diferente, o curso consegue encontrar pontos em comum entre esses jovens para, então, propor metodologias de ensino.
"Enquanto a pobreza é um fator determinante na América do Sul, na África e na Índia, conflitos no ambiente familiar são um fator universal para as crianças abandonarem suas casas", afirma Severino.
Se as fontes do problema são únicas, o mesmo não se pode dizer das soluções para resolvê-los. "A pedagogia não é como uma receita de bolo que sempre dará o mesmo resultado. É preciso estudar cada criança, cada caso sem dar respostas prontas, já que partindo de problemáticas diferentes você não encontra soluções iguais", resume o estudante brasileiro.
Entre os mecanismos para atrair a atenção dos jovens estão metodologias alternativas, como o uso da música, do vídeo e da fotografia. Tudo isso para conquistar a atenção dos jovens, ainda que suas salas de aula estejam, sim, em plena rua.
Monique dos Anjos
Revisão: Alexandre Schossler