Perfeição musical
6 de setembro de 2011Georg Jann começou a estudar a arte de construir órgãos aos 14 anos – em 1º de setembro de 1948. E não fez outra coisa desde então. Em 2006, o mestre organeiro natural de Berlim mudou-se para Blumenau, Santa Catarina, onde seguiu adiante com a profissão. Depois de 209 órgãos construídos na Europa, Jann já restaurou três instrumentos e construiu outros três no Brasil. O mais novo deles será inaugurado em setembro no Mosteiro de São Bento em Vinhedo, interior de São Paulo.
O órgão de Vinhedo demorou dois anos e meio para ficar pronto. Com 5 metros de altura, 7 metros de largura, 80 centímetros de profundidade, mil tubos e 17 registros (tipos de som), o instrumento foi confeccionado na oficina de Jann em Rodeio, cidade próxima a Blumenau. Além do alemão septuagenário, no local trabalham apenas mais um carpinteiro e um aprendiz de 16 anos de idade.
"A construção de um órgão é uma história emocionante – desde as pequenas partes até estar montado na igreja. É como dar à luz uma criança. Conheço todos os parafusos, todos os cantos, e a despedida é tão dolorosa como quando os filhos saem de casa", diz Jann.
O mais novo filho do mestre, o órgão de Vinhedo, já está montado e será inaugurado no final de setembro. No dia 23, haverá uma benção solene em uma cerimônia privada. Depois, o instrumento será apresentado ao público, em um concerto às 20h do dia 24 e em uma missa às 8h do domingo, dia 25.
Dos 209 órgãos que construiu ao longo de seus 20 anos na Alemanha, Jann conta que só não esteve presente na inauguração de dois deles, uma vez porque estava no hospital e a outra porque a cerimônia foi realizada em Tóquio, para onde o instrumento foi exportado. Portanto, "é claro" que estará presente em Vinhedo. "É como para um pai estar presente no batismo de um filho."
Segundo o prior do Mosteiro de São Bento, dom Paulo Sérgio Panza, são esperados mais de 500 visitantes para o concerto e a missa de inauguração do órgão na capela. "As pessoas estão curiosas, pois não estão acostumadas a ouvir um órgão de tubos. E especialistas que viram o instrumento do senhor Jann dizem que não há outro mecânico de igual qualidade no país", diz o religioso.
O mestre e seu ofício
Georg Jann fez escola na renomada fábrica de órgãos Karl Schuke, em atividade há 60 anos na cidade de Potsdam, próxima a Berlim. Trabalhou na Suíça, na Áustria e em diversas fábricas na Alemanha, onde fez a prova para mestre organeiro. Com o certificado em mãos, fundou a própria empresa em Regensburg, na Baviera, onde produziu instrumentos de 1975 a 1995.
Já casado com a alemã Gerhild, cujo filho havia estudado o ofício de organeiro na empresa de Jann, o mestre mudou-se para Portugal, onde manteve uma fábrica de tubos de órgãos por 11 anos. Hoje, cada um dos dois filhos de Jann dirige um de seus estabelecimentos: o mais velho, o de Portugal, e o mais novo, o da Alemanha.
Gerhild havia emigrado para o Brasil com o primeiro marido na década de 1960 e convenceu Jann a mudar-se para o país para ficar mais próxima dos filhos e netos. Em Blumenau, onde diz sentir-se "muito bem", o aposentado decidiu retomar a profissão durante um culto da igreja evangélica.
Tradição organeira
"Quando um organeiro está sentado na igreja e escuta o som de um órgão eletrônico, algo acontece dentro dele", conta. Foi então que sugeriu reformar o antigo órgão mecânico da paróquia. "Tive de insistir, porque órgão não é uma coisa tão presente aqui como na Alemanha. Há pouco entendimento sobre o instrumento. Muitas pessoas nunca viram ou escutaram um órgão de tubos."
Enquanto na Alemanha há hoje cerca de 170 fábricas de órgãos, Jann diz só conhecer três organeiros profissionais no Brasil. Com sua nova empresa, a Sonoridade Organi, o alemão já tem trabalho previsto para o próximo ano e meio. O mestre restaurará três órgãos, entre eles o da catedral de Porto Alegre, fora de uso há 30 anos. Para o artesão, a demanda por novos órgãos seria maior se houvesse mais organistas no país.
"Sempre trabalhei como organeiro, nunca fiquei sem serviço e espero continuar construindo e restaurando órgãos por muito tempo", declara Jann. Mas o senhor de 77 anos, que diz "não ser mais tão jovem", teme que logo não possa mais exercer seu ofício e gostaria que um jovem aprendiz de organeiro desse continuidade à sua fábrica no Brasil.
Trabalho meticuloso
Durante dois anos e meio, Jann e seus dois ajudantes trabalharam na construção do órgão do Mosteiro de São Bento, que custou 750 mil reais. "Tudo é feito à mão", orgulha-se o mestre. Segundo ele, em sua fábrica na Alemanha, com 30 funcionários, teria construído cinco instrumentos no mesmo período.
Em terras germânicas, a madeira utilizada na construção de órgãos também é outra. Enquanto lá a madeira mais apropriada é o carvalho, no Brasil, Jann aponta o cedro rosa como ideal. "Quase todas as peças do órgão de Vinhedo foram feitas de cedro rosa. Os tubos são uma liga de zinco e chumbo e alguns são de cobre", explica.
Além de ser um dos poucos órgãos totalmente mecânicos do Brasil, o do Mosteiro São Bento ainda tem outra particularidade: a Zimbelstern. Trata-se de um jogo de sinos que produz um som "típico de músicas de Natal", segundo Jann.
O instrumento foi transportado de Santa Catarina a São Paulo desmontado e levou quase um mês para ser instalado na capela do Mosteiro de São Bento. Depois disso, ainda veio o trabalho "mais difícil", segundo dom Paulo: a afinação e entonação.
Apesar de só conseguir tocar o órgão quando está sozinho, por ficar agitado diante do público, em afinação Jann é especialista. Ele e a esposa entonaram cada um dos mil tubos do órgão de Vinhedo. Além de já ser "quase uma organeira", nas palavras do marido, Gerhild também serve de intérprete, pois o alemão mal fala português, apesar dos anos vividos em Portugal e no Brasil. "Meu português só serve para não passar fome", conta Jann rindo.
Em breve, os cantos gregorianos entoados durante as missas e as cinco orações diárias dos 16 monges de Vinhedo serão acompanhados não mais pelo órgão eletrônico, mas pelo som do órgão de tubos meticulosamente construído pelo mestre alemão.
"Jann é uma pessoa apaixonada por seu trabalho", afirma dom Paulo, que levou adiante o projeto do novo órgão durante mais de dez anos. "É comovente ver um homem aos 77 anos tão dedicado ao que faz."
Autora: Luisa Frey
Revisão: Roselaine Wandscheer