Meta é desarticular tráfico no Uruguai, diz chefe da política de drogas
9 de dezembro de 2013O Senado do Uruguai vai votar – e deve aprovar sem percalços – nesta terça-feira (10/12) a lei que legaliza a compra, venda e cultivo de maconha no país. Pioneiro na região, o projeto é visto com receio por países vizinhos e ainda divide os próprios uruguaios.
Em entrevista à DW Brasil, o secretário-geral da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada, diz que o principal objetivo da medida é diminuir o tráfico e desarticular o mercado negro, estimado em cerca de 30 milhões de dólares por ano no Uruguai. Ele garante que a legalização não terá consequências negativas para outros países, como o Brasil.
"Estamos convencidos de que a política de drogas dos últimos 50 anos estava cometendo erros, estava equivocada", afirma.
Deutsche Welle: O Senado uruguaio deve aprovar a legislação nesta terça-feira (10/12). O que isso representa para o Uruguai?
Julio Calzada: Acredito que é um passo muito importante dentro de um conjunto de medidas e de ações que estamos realizando a nível internacional no Uruguai. Não é exatamente legalizar o consumo, pois o consumo já é permitido há 40 anos. O que estamos fazendo é regular, estabelecer um conjunto de mecanismos regulatórios que possam dar conta de todo esse tema, desde a produção, passando pela distribuição até a venda. Além disso, é uma medida para diminuir o tráfico. O objetivo central é desarticular o mercado negro e estabelecer uma nova ferramenta para que isso seja possível.
O Uruguai poderá ser um modelo para a região?
Acreditamos que nesse tipo de política não há modelos propriamente ditos. Eventualmente poderá ser uma referência para outros que queiram incursionar por políticas regulatórias. Até agora a lei era um modelo hegemônico de proibição e punição aos consumidores e não deixava qualquer janela aberta para uma regulação que não fosse no marco da lei penal. Queremos tirar isso do campo da lei penal para colocá-la, digamos, no campo social, civil e das relações comerciais reguladas.
Há consequências para os países vizinhos? É possível que usuários comprem a substância legalmente no Uruguai e revendam no Brasil?
Acreditamos que, de acordo com a legislação, isso será muito limitado. Não é negócio comprar 40 gramas por mês para revender, isso não gera lucro. Outra coisa é que estamos regulando e não venderemos para não residentes. Portanto, para comprar é preciso residir no Uruguai. Esse é outro elemento a mais para evitar o comércio ilegal. Em nenhum caso a regulação vai gerar consequências mais graves para o Brasil do que a legislação já existente. As drogas que são consumidas no Brasil não são produzidas lá, e sim em outros países onde existe a proibição total, dentro da lei penal, do controle de cultivo, de produção e de circulação. Tomamos um conjunto de medidas para que o desvio da produção legal para a ilegal seja mínimo. Claro que pode sempre haver fuga, mas o modelo com o qual temos trabalhado faz com que isso aconteça de forma mínima.
Um deputado brasileiro chegou a discursar no Senado uruguaio e disse que nenhum país venceu o combate às drogas por meio da legalização. Como está a pressão de países vizinhos?
Não há nenhuma pressão formal. É uma opinião do deputado, porém há outros deputados brasileiros que têm opiniões opostas. Há também deputados da Argentina e do Chile que compartilham a opinião de que é necessário reformar a política de drogas. Há opiniões muito diversas. É um tema muito polêmico e não seria natural que não houvesse críticas.
A legalização ainda divide os uruguaios. Há risco político para o presidente José Mujica caso a nova lei não venha a funcionar bem?
Não saberia dizer. A princípio, tenho as mais altas expectativas de que a tentativa será uma contribuição séria a que se encontrem melhores caminhos para a regulação do mercado de drogas, particularmente para o caso da maconha. Não acredito que se pode estabelecer isso agora. De toda forma, o presidente Mujica tem suficiente destreza no ponto de vista político e intelectual e sabe de forma clara que, se algo não funciona, é preciso modificar, mudar, fazer de novo. Por isso estamos convencidos de que a política de drogas dos últimos 50 anos estava cometendo erros, estava equivocada.