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Militares nos presídios "é mais marketing do que solução"

18 de janeiro de 2017

Para especialistas, medida adotada pelo governo é paliativa e de eficácia questionável para resolver a crise nas penitenciárias. "Decisão de chamar o Exército sempre ocorre quando não sabem o que fazer."

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Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres

No momento em que o presidente Michel Temer dribla instabilidades políticas e se vê obrigado a contornar crises que a princípio não estavam na agenda, como é o caso da falência do sistema penitenciário, a decisão de destacar o Exército para atuar nos presídios tem muito mais relação com estratégia do que com eficácia, avaliam especialistas ouvidos pela DW Brasil.

As Forças Armadas são vistas com confiança e credibilidade pela maioria da população brasileira. Pesquisa de opinião do Ibope, de 2015, mostrou que o Exército é a terceira instituição mais bem vista pelos brasileiros, atrás somente do Corpo de Bombeiros e das igrejas, e isso num cenário de alta rejeição a outras instituições, como o Congresso Nacional e os partidos políticos.

Os especialistas veem com bastante ceticismo e preocupação a decisão federal de disponibilizar pelo menos mil homens das Forças Armadas para vistorias em presídios rebelados. Sabemos que o Exército não funciona bem nessas situações de segurança pública. Vão fazer só varreduras? E por que a polícia não faz isso? Não acredito que seja eficaz. Fica parecendo que é só marketing. Como o Exército tem popularidade, trazem isso para rebater um pouco a agenda negativa que a rebelião dos presídios trouxe", afirma o professor Claudio Beato, coordenador geral do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.

Já o professor José Vicente Tavares, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que a atuação excepcional do Exército em crises urbanas, como ocorreu na ocupação de morros e favelas no Rio de Janeiro, teve resultados catastróficos no passado. "Força Nacional, Exército e construção de novos presídios são apenas soluções paliativas e que já foram feitas no passado. Deu no que deu", afirma o sociólogo, coordenador do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da universidade gaúcha.

Segundo Tavares, as Forças Armadas têm funções constitucionais bastante específicas, e entre elas não está a atuação no sistema carcerário, o que requer qualificação e especialização. "O governo tenta tapar o sol com peneiras que já se mostraram furadas." Para o professor, desde o início das rebeliões, o governo federal não apontou nenhuma medida efetiva que possa ter reflexo na raiz do problema, que é o encarceramento em massa. "Há uma visão muito errônea do que é segurança pública no Brasil", acrescenta, criticando, ainda, omissões e visões conservadoras do Poder Judiciário.

A convocação do Exército pelo presidente Michel Temer tem base constitucional. De acordo com Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas –SP, o artigo 142 da Constituição prevê que, por iniciativa dos poderes constitucionais, o Exército seja destacado para uma ação excepcional para a manutenção da lei e da ordem. A lei que regulamenta esses casos excepcionais é de 1999.

De acordo com essa lei, invocar o Exército é algo que só deve ser feito quando "esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". Ou seja, "ou o presidente da República ou os governadores dos estados vão ter que reconhecer, formalmente, que há uma falência na segurança pública para a contenção e reversão do problema carcerário que estamos enfrentando", avalia Dias.

Ainda que haja uma brecha constitucional, Dias questiona se a atuação do Exército nos presídios poderá contribuir de forma efetiva para a solução dos problemas. "Aí parece estar o grande equívoco. Mesmo que respeitados todos os requisitos legais e constitucionais para o emprego das Forças Armadas em situações pontuais e momentâneas, me parece que elas não são aptas para enfrentar um problema como esse."