Ministro da Saúde alemão sob pressão por compra de máscaras
23 de março de 2021Após uma série de escândalos envolvendo deputados federais, o chamado "caso das máscaras" respingou no ministro da Saúde da Alemanha. No domingo (21/03), a revista Der Spiegel revelou que a pasta comandada por Jens Spahn comprou 570 mil máscaras de uma empresa para a qual o marido do político trabalha como lobista.
Segundo a publicação, a transação ocorreu em abril de 2020, quando os acessórios eram escassos na Alemanha. Na ocasião, a empresa Hubert Burda Media GmbH intermediou a venda de centenas de milhares de máscaras para o ministério, fazendo uma ponte com fabricantes sediados na Ásia. A Burda GmbH não é uma empresa envolvida na área médica ou de EPIs, mas um tradicional conglomerado de mídia, responsável por títulos como a Bunte e Superillu, conhecidas revistas de fofocas na Alemanha.
Segundo a Spiegel, o marido do ministro Spahn, Daniel Funke, é diretor do escritório do braço editorial da Burda em Berlim, onde atua como lobista. A atuação de uma empresa fora da área médica, por si só, não configura motivo de estranhamento, já que no ano passado o ministério atuou em conjunto com empresas como a companhia área Lufthansa e a montadora Volkswagen para agilizar compras de máscaras. Mas o fato do marido de Spahn trabalhar para a Burda levantou questionamentos sobre possíveis conflitos de interesse.
Segundo a Spiegel, a compra das 570 mil máscaras envolveu mais de 900 mil euros. Procurada pela publicação, a Burda afirmou que Funke não esteve envolvido no negócio, que ocorreu por meio de uma empresa sediada em Cingapura na qual a editora tem uma participação. Um porta-voz da Burda ainda informou que as máscaras foram revendidas ao ministério a preço de custo, sem qualquer lucro para a empresa.
A editora ainda informou que só pretendia ajudar as autoridades de saúde. Os números envolvendo a transação de fato mostram que as máscaras foram compradas a baixos preços, a 1,73 euro a unidade, em contraste com o valor médio de 2,65 euros por acessório pelo ministério nos primeiros meses da pandemia.
Logística
Mesmo que o caso das máscaras não venha a revelar alguma ilegalidade, ele se soma a uma série de episódios em sequência que colocaram o ministro Spahn sob escrutínio.
No início do mês, o jornal Die Zeit revelou que o Ministério da Saúde contratou, sem concorrência ou consulta de preços, uma empresa de logística chamada Fiege, baseada em Münsterland, região onde o ministro tem sua base eleitoral.
A Fiege teria recebido pelo menos 100 milhões de euros do governo para transportar máscaras compradas na Ásia. De acordo com o Die Zeit, o ministério justificou a transação apontando a expertise da Fiege na área, mas o jornal rebateu afirmando que a empresa não conseguiu lidar com o volume, tendo que subcontratar outras firmas de logística, como a DHL.
A empresa também tem entre seus sócios Hugo Fiege, membro do comitê do Conselho Econômico da Alemanha, uma associação de empresários que mantém laços estreitos com a União Democrata Cristã (CDU), o mesmo partido de Spahn. Recentemente, a ONG Lobbycontrol, acusou o conselho de atuar como uma organização de lobby que proporciona acesso a altos membros da CDU.
Recentemente, um deputado federal do partido e dois políticos da União Social Cristã (CSU), o braço bávaro da CSU, foram envolvidos em escândalos de compras de máscaras. Nikolas Löbel deixou a CDU e renunciou ao mandato após admitir ter recebido 250 mil euros para intermediar transações de compra dos acessórios entre uma importadora de origem chinesa e duas firmas alemãs.
Já o deputado Georg Nüsslein, antes ligado à CSU, está sendo investigado por suspeita de corrupção após receber mais de 600 mil euros de fabricantes ao intermediar vendas de máscaras para dois ministérios (incluindo a pasta da Saúde) e o governo bávaro. Ele deixou o bloco da CSU no Parlamento, mas tem resistido a renunciar ao mandato.
O caso ainda respingou em Alfred Sauter, outro político da CSU e ex-ministro da Justiça da Baviera, que acabou deixando o bloco da sigla parlamento estadual após surgirem suspeitas de que ele estava ligado aos negócios de Nüsslein.
Mansão
O caso da compra de máscaras não é o único que colocou o ministro Spahn em evidência nos últimos meses. No segundo semestre do ano passado, o ministro foi criticado por comprar com seu marido uma vistosa mansão em Berlim por mais de 4 milhões de euros. A transação vultuosa em tempos de pandemia e crise econômica foi mal vista no país.
Também foram levantados questionamentos sobre detalhes da compra. Spahn financiou boa parte do valor por meio do banco Sparkasse Westmünsterland, uma instituição na qual ele atuou como membro do conselho diretor entre 2009 e 2015.
Spahn chegou a apresentar sem sucesso uma ação contra o site que revelou o negócio, com o objetivo de tirar as informações do ar.
O caso atraiu outros jornalistas, que logo passaram a pesquisar em registros de imóveis de Berlim se o ministro tinha outras propriedades na capital. O jornal Tagesspiegel se deparou com um apartamento no nome de Spahn, comprado em 2017 por 980 mil euros. A propriedade foi vendida por Markus Leyck Dieken, um executivo da indústria farmacêutica.
Em 2019, Spahn indicou Dieken como chefe da Gematik, uma companhia de sociedade mista ligada ao ministério e que está implementando um plano de digitalização na área da saúde. À época, a indicação de Dieken foi criticada pela ONG Transparência Internacional.
Em janeiro, a propriedade comprada por Spahn em 2017 apareceu à venda por 1,58 milhão de euros em um site de venda de imóveis.
Spahn ainda possui outro apartamento em Berlim, comprado em 2015 e que, segundo o Tagesspiegel, foi alugado pelo político Christian Lindner, líder do Partido Liberal-Democrático (FDP, na sigla em alemão).
A atuação da imprensa na revelação das transações imobiliárias do ministro tem aborrecido Spahn. Em fevereiro, ele solicitou a um tribunal ligado ao registro de imóveis de Berlim que fornecesse os nomes dos jornalistas que estavam solicitando informações sobre suas propriedades. O tribunal acolheu o pedido e forneceu dados de jornalistas das revistas Spiegel e Stern, do tabloide Bild e do jornal Tagesspiegel. Associações de jornalistas criticaram a atitude do ministro.
jps/lf (ots)