Estrada na Bolívia
27 de setembro de 2011O presidente da Bolívia, Evo Morales, cedeu aos protestos dos indígenas nesta segunda-feira (27/09) e anunciou a suspensão da construção de uma estrada em região amazônica. O projeto rodoviário estava provocando tensões políticas em pleno processo eleitoral boliviano.
A estrada de 306 quilômetros de extensão cruzaria um parque nacional no centro da Bolívia conhecido pela sigla Tipnis. O custo de 420 milhões de dólares seria financiado em grande parte (cerca de 300 milhões de dólares) pelo Brasil, através do BNDES. O restante viria do Tesouro Geral da Nação (TGN) da Bolívia. A construção está a cargo da construtora brasileira OAS.
Morales afirmou que o projeto só será retomado se for aprovado em referendo. "Quero salvar uma responsabilidade perante a história e o povo boliviano (...), que haja um debate nacional, um debate do povo boliviano para que decidam [em referendo], especialmente os dois departamentos beneficiários envolvidos [Cochabamba e Beni]", disse o governante.
Com a decisão, o presidente – também indígena e ex-líder dos produtores de coca – tenta conter uma onda de protestos que se estende por todo o país. No dia anterior, a polícia interviera com violência em uma marcha de mais de um mês, realizada por indígenas que se opunham à estrada que atravessaria seu território.
Morales fez sua declaração horas depois de a ministra de Defesa, Cecília Chacón, renunciar em protesto à violenta intervenção policial na manifestação indígena, que se encontrava a 300 quilômetros ao norte de La Paz. A marcha de cerca de 2.000 indígenas fora iniciada em 15 de agosto em Trinidad e percorreu 273 quilômetros em 42 dias.
O presidente boliviano negou haver instruído a repressão policial, que qualificou de "imperdoável", repudiando a "violência, o excesso e o abuso" sofridos pelos manifestantes indígenas. Ele pediu a formação de uma comissão internacional para investigar o caso.
Os indígenas do departamento de Beni prosseguiram nesta segunda-feira com os protestos, fechando ao menos três aeroportos. Depois de enfrentar policiais no povoado de Rurrenabaque, conseguiram liberar manifestantes que haviam sido detidos no domingo pela polícia.
Posição brasileira
O governo brasileiro expressou preocupação com os choques entre a polícia e os indígenas. Em nota divulgada em Brasília, o Itamaraty manifestou sua confiança de que "o governo boliviano e diferentes setores da sociedade boliviana seguirão favorecendo o diálogo e a negociação na busca de um entendimento sobre o traçado da estrada, tomando em conta a normativa interna boliviana e boas práticas internacionais relevantes".
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro destacou que sua decisão de cooperar com Bolívia na construção se baseia no "entendimento de que se trata de um projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana".
Eleições judiciais
Chacón assinalou que "as medidas assumidas [pelo governo], longe de isolar a direita, fortalecem suas ações e a manipulação da marcha". Ao renunciar, Chacón defendeu o diálogo e o respeito aos direitos humanos, discordando das medidas de intervenção sobre a marcha assumidas pelo governo.
Segundo as autoridades, a repressão deixou uma saldo desconhecido de feridos. O conflito ocorreu três semanas antes de eleições judiciais impulsionadas pelo presidente como uma de suas principais reformas e rejeitadas pela oposição conservadora, que faz campanha pelo voto nulo.
O governante esquerdista, declarado seguidor do venezuelano Hugo Chávez, enfrentou em anos passados violentos protestos da oposição direitista em várias regiões. Mas não havia se deparado até o momento com um protesto radical de grupos indígenas, os quais diz representar.
LPF/rtr/dpa
Revisão: Alexandre Schossler