Morre astro da MPB Sérgio Mendes, aos 83 anos
6 de setembro de 2024O pianista, arranjador, compositor e produtor musical Sérgio Mendes morreu nesta sexta-feira (06/09) em Los Angeles, nos EUA, onde morava desde os anos 60, após uma carreira que abarcou mais de seis décadas. A causa da morte não foi divulgada. Desde o fim do ano passado, o músico vinha enfrentando doenças decorrentes de problemas respiratórios.
Partindo do jazz e da bossa nova e combinando-os com outros estilos folclóricos e urbanos, ele é situado entre os músicos populares brasileiros de maior sucesso, em todos os tempos.
Do piano clássico à terra do jazz
Sérgio Santos Mendes nasceu em 11 de fevereiro de 1941, filho de um médico, em Niterói. Dos seis aos 14 anos, frequentou o Conservatório de Música da então capital do estado do Rio de Janeiro, onde estudou piano clássico.
Em 1956, reza a lenda, escutou na casa de um amigo seu primeiro disco de jazz, de Dave Brubeck. A experiência transformou sua percepção musical, e o pianista americano virou uma forte influência, ao lado de Horace Silver e Art Tatum. Mendes passou a tocar em diversas formações jazzísticas: trios, quartetos, quintetos.
Paralelamente, do outro lado da Baía de Guanabara, alguns jovens estavam engendrando aquele que seria possivelmente o estilo musical brasileiro mais famoso e apreciado: 1958 é considerado o ano oficial de nascimento da bossa nova, com o lançamento do disco 78 rpm Chega de saudade, do carioca Antônio Carlos Jobim. O cantor e violonista é o baiano João Gilberto, que também assinou o lado B, Bim bom.
Mendes embarcou desde cedo nessa nova bossa. Em 1961, formou o Sexteto Bossa Rio (saxofone tenor, dois trombones, piano, contrabaixo e bateria), com o qual fez turnês pelo Brasil, e lançou o LP Dance moderno. Já no ano seguinte, participou do prestigioso Bossa Nova Festival do Carnegie Hall, ao lado de Gilberto, Tom Jobim, Luiz Bonfá, Stan Getz, Charlie Byrd e outros.
Um impulso importante na trajetória ascendente do niteroiense foi o contato com o saxofonista Cannonball Adderley, que insistiu: "Você precisa ir para os Estados Unidos." A decisão de deixar o Rio de Janeiro veio em 1964, o ano do golpe de Estado que daria a partida a 21 anos de ditadura militar no Brasil.
Há pelo menos duas versões dessa mudança: segundo uma delas, Mendes já se encontrava nos EUA, e amigos o desaconselharam a voltar. No entanto, um artigo publicado pelo Forbes.com em fevereiro de 2015 conta uma história bem mais aventurosa, segundo a qual o nascimento do filho Rodrigo, em 6 de abril de 1964, teria precipitado a decisão.
"Quando o garoto nasceu, [Sérgio Mendes] mandou um telegrama para o amigo e artista plástico Wesley Duke Lee que dizia o seguinte: 'Rodriguinho barra limpa, primeiro realista mágico de Niterói, avisa ao tio Lee que a ordem do dia é fralda larga e leite morno'. O golpe militar tinha apenas um mês de vida e o telegrama foi interceptado por agentes do Exército."
Mendes explicou: "Acharam que era um código revolucionário e fiquei preso duas semanas. O pior é que, quando invadiram a casa do Lee, acharam um busto de gesso do pai dele, que era a cara do Lênin. Como explicar uma coisa dessas?" E caiu na gargalhada, conta a Forbes.
Mas que nada e mais além
Em termos de estilo, os anos 1965 e 66 foram definidores para Mendes. Ele fundou o conjunto Brasil '66 (futuramente '77 e '88), a cujo piano, baixo, bateria, guitarra e percussão acrescentou duas cantoras. Um golpe de mestre: essa sensualidade morna de vozes femininas passou a ser uma de suas marcas registradas mais reconhecíveis, que o público internacional logo associou a "Brazil". Aqui e ali, o próprio líder da banda também se aventurava como vocalista.
Apimentada com harmonias jazzísticas e percussão latina, estava cristalizada a fórmula que garantiria décadas de sucesso. O primeiro hit dessa nova fase, Mas que nada, de Jorge Ben Jor, cantado com sotaque ostensivamente gringo, é até hoje quase sinônimo de "Sérgio Mendes".
Outra constante que se delineou nessa época foi a exploração sem tabus do repertório internacional: os primeiros sucessos do grupo incluem tanto A banda, de Chico Buarque, e The fool on the hill, dos Beatles, quanto The look of love, de Burt Bacharach, ou My favorite things, de R. Rodgers e O. Hammerstein.
Ainda mais desinibida e eclética é a lista das colaborações: ao longo de mais de seis décadas, "todo mundo" quis tocar com, cantar ou ser produzido pelo filho de Niterói, seja Baby do Brasil, Carlinhos Brown, Gilberto Gil, João Bosco, Johnny Mathis, Justin Timberlake, Sarah Vaughan, Stevie Wonder, Till Brönner, Vanessa da Mata, Zap Mama – a lista é longa mesmo.
Diluindo os extremos
Ao vivo ou "enlatados", Sérgio Mendes e sua turma correram, literalmente, os quatro cantos do mundo. Em 1971 e 1982 tocaram na Casa Branca de Richard Nixon e Ronald Reagan. Mas que nada seguiu onipresente. Ao ponto de, em 2006, Mendes regravá-la, desta vez coadjuvado pelos rappers do Black Eyed Peas e a cantora Gracinha Leporace – sua esposa e parceira musical constante desde a década de 60.
Essa nova versão conquistou uma das diversas indicações do pianista e arranjador para o prêmio Grammy – que, aliás, ele já embolsara em 1993 com o álbum Brasileiro. Em 2005, coube-lhe também o Latin Grammy pelo conjunto da obra, e, cinco anos mais tarde, o de Melhor Álbum Pop Contemporâneo Brasileiro por Bom tempo. Em 2011, Herb Alpert presents Sergio Mendes & Brasil 66 é incluído no Hall of Fame do Grammy.
Para o cinema, ele compôs apenas uma trilha sonora, da biografia Pelé (1977). Mas atuou como produtor musical em 007 – Nunca mais outra vez, de 1983, e nos longas de animação Rio (2011) – com a canção Real Rio, indicada para o Oscar, – e Rio 2 (2014).
Em 2020, ganhou seu próprio documentário, Sergio Mendes: In the key of joy (No tom da alegria), dirigido por John Scheinfeld, traçando sua vida desde a infância. Fora isso – seja em Austin Powers, Be cool, Mad men ou Os Simpsons – toda vez que cabe evocar "Brazil" nas telas, grandes ou pequenas, o som de Mendes está a postos.
É um som crescentemente eclético: do "jazz branco" de Brubeck ao triângulo, cuíca, afoxé e sintetizador pop; um pouco soul, um pouco R&B, um pouco afro, MPB, bossa nova – óbvio; do vigor nordestino e o rap ao lounge/ambiental roçando o muzak. Em Mendes, vários extremos se encontram – e se diluem.
Essa música lembra sem parar um mundo mais simples, menos encarniçadamente político, menos polarizado – um Brasil pré-64? Ou simplesmente "deitado eternamente em berço esplêndido"? Sem dúvida mais alegre, mais simpático, mais biquíni, praia e caipirinha: despreocupado, sem conflitos – easy.
Todo idioma tem seus termos intraduzíveis – como "saudade" ou "ir ficando" em português. Um do inglês é serendipity, definível como "uma descoberta feliz e totalmente não planejada". Em torno dele, gira a epígrafe do site sergiomendesmusic.com: "Tem uma palavra em inglês que eu adoro: serendipity. É a história da minha vida."
Numa entrevista à jornalista australiana Sandy Kaye, em março de 2023, ele explicaria melhor: "É uma linda palavra, acho que descreve exatamente estar no lugar certo na hora certa." Assim Sérgio Mendes se definia: música, serendipity e alegria.