Morte de promotor ameaça investigações que já duram 20 anos
19 de janeiro de 2015Com a morte do promotor Alberto Nisman, nesta segunda-feira (19/01), em Buenos Aires, entram numa fase crítica as investigações sobre o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que já duram mais de 20 anos.
Na última quarta-feira, o encarregado especial para o caso acusara a presidente Cristina Fernández de Kirchner de acobertar a participação de iranianos no ataque que, em 18 de julho de 1994, deixou 85 mortos e centenas de feridos.
Saiba mais sobre o caso da Amia e a participação de Alberto Nisman.
Como transcorreu o atentado de 18 de julho de 1994?
O ataque foi perpetrado com um carro-bomba. Uma camionete utilitária portando 300 quilos de explosivos foi detonada à porta da central da Amia, situada no populoso bairro portenho de Once, destruindo-a completamente. Com um saldo de 85 mortos e mais de 300 feridos, o segundo atentado contra uma instituição judaica na Argentina foi o mais grave da história do país.
O que é a Amia?
A Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) é um centro judaico em Buenos Aires criado em 1894. Seus objetivos principais são promover o bem-estar e o desenvolvimento da comunidade semita argentina – a maior da América Latina e quinta maior no mundo – e manter vivas suas tradições e valores.
Entre outras iniciativas, a Amia estabeleceu um dos primeiros cemitérios judaicos da capital e criou a fundação de caridade Tsedaká. Ela promove e financia atividades educacionais, culturais e recreativas, além de manter uma cooperativa de saúde.
O que investigou a Justiça argentina?
As investigações se dividiram em uma causa central e uma paralela. Na primeira, sete ex-altos funcionários iranianos foram acusados como presumíveis autores ideológicos e materiais. Entre eles estavam o ex-presidente Ali Rafsanyani e Mohsen Rabbani, adido cultural da embaixada do Irã em Buenos Aires. Além disso, um libanês suspeito de filiação ao Hisbolá foi citado.
Foram pronunciadas ordens de prisão pela Interpol, até o momento sem êxito. Pouco antes de morrer, o promotor Alberto Nisman anunciou a intenção de emitir veredicto com uma forma jurídica especial, garantindo a extradição dos iranianos implicados e seu julgamento compulsório na Argentina, através de um organismo internacional a que o Irã está submetido.
Houve colaboração local?
Numa causa paralela, investigou-se a assim chamada "conexão local", que haveria colaborado com a aquisição da camionete e outros aspectos logísticos. O julgamento foi considerado nulo depois de se comprovar que o principal acusado, o vendedor de carros usados Carlos Alberto Telleldín, recebera pagamento ilegal para apresentar uma pista falsa. A Justiça ordenou um novo processo.
Como foi o ataque anterior contra um alvo semita em Buenos Aires?
Em 17 de março de 1992, num atentado suicida, uma picape carregada com explosivos chocou-se contra a entrada da embaixada de Israel, destruindo-a, assim como uma igreja católica e uma escola próximas. Morreram 29 pessoas e 294 ficaram feridas. Em 1999, a Suprema Corte de Justiça concluiu que o ato fora de autoria do Hisbolá.
Quem indicou o promotor Alberto Nisman como encarregado especial para a causa da Amia?
Diante da paralisação da causa nos tribunais argentinos, em 2004 o então presidente Néstor Kirchner, marido e antecessor de Cristina, designou Alberto Nisman para reativar a investigação do atentado.
Quais acusações Nisman fez dias antes de morrer?
Como chefe da acusação, ele denunciou a presidente Cristina Fernández de Kirchner, o ministro das Relações Exteriores, Héctor Timerman, o deputado Andrés Larroque e os líderes partidários Luis D'Elía e Fernando Esteche de acobertarem a participação iraniana no ato terrorista de 1994.
Quais eram os pontos-chave de suas acusações?
Nisman assinalou que a verdadeira finalidade do memorando de entendimento firmado em 2013 entre a Argentina e o Irã, para avançar no esclarecimento, fora desvincular Teerã de responsabilidade pelo atentado e exonerar os acusados. O objetivo final seria aproximar-se geopoliticamente do governo iraniano, para obter cooperação energética, trocar petróleo por grãos e até mesmo vender-lhe armas.
Que responsabilidade se atribuía a Cristina Kirchner?
Segundo o promotor: "Cristina Kirchner decidiu absolutamente tudo. Ela é que dá ordens ao chanceler Héctor Timerman para livrar o Irã desse problema. Ela é que estabeleceu a existência de uma diplomacia paralela para manobrar essas coisas, além de orquestrar a pista falsa."
De que provas o promotor dispunha?
Nisman afirmou contar com gravações telefônicas registrando o diálogo de líderes de confiança da presidente com representantes da República Islâmica do Irã, visando os fins denunciados. Segundo fontes da promotoria pública, Nisman contava com cerca de 330 discos com gravações de escutas telefônicas.
O promotor contava com informações da Secretaria de Inteligência?
Ele solicitou permissão para expor sua denúncia ao Congresso, mas a portas fechadas, a fim de poder detalhar as informações provenientes dos serviços secretos. "Há gente dentro da antiga Secretaria de Inteligência do Estado (Side) trabalhando para o Irã, e posso afirmar que é gente vinculada ao Poder Executivo nacional. Não é um funcionário infiel que trabalhe para o outro lado: ele segue diretrizes expressas do Executivo para passar informação ao Irã", afirmou o promotor.
Como o governo argentino reagiu às denúncias?
A presidente Cristina Kirchner não deu declarações públicas a respeito. Apenas publicou nas redes sociais uma foto sua, junto ao esposo morto, em um dos atos realizados diante da Amia para reclamar justiça.
O chanceler Timerman assegurou que a denúncia era "uma mentira" e apresentou uma carta de um ex-diretor da Interpol, ratificando a vontade do governo argentino de manter as ordens de captura da organização policial internacional contra os acusados iranianos.
O que se sabe sob as circunstâncias da morte do promotor?
Alberto Nisman foi encontrado com uma bala na cabeça, no banheiro de seu apartamento em Puerto Madero, bairro nobre no centro de Buenos Aires, em 19 de janeiro de 2015. Nesse dia iria apresentar ao Congresso as provas de que dispunha contra Kirchner e seus associados.
Inicialmente não se comprovou um suicídio, embora não houvesse sinais de arrombamento e um revólver calibre 22 tenha sido achado na residência. As investigações foram entregues à promotora Viviana Fein.
Segundo a autópsia, a morte "não teve a participação de terceiros". Ainda assim, Fein não descartou a hipótese de que Nisman tenha sido induzido ao suicídio. Ela aguarda o resultado de mais exames.
Nisman temia por sua vida?
O promotor assegurava que não tinha medo, mas sabia estar sob risco. Falando ao jornal argentino Clarín, disse que poderia não sair vivo do processo devido à denúncia. "Com isso, coloco em jogo minha vida", advertiu ao portal de notícias Infobae.
AV/dpa/rtr