Movimentos sociais organizam protestos em solidariedade aos rolezinhos
23 de janeiro de 2014A repressão policial aos rolezinhos, em especial ao encontro do dia 11 de janeiro no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo, revoltou representantes de movimentos sociais brasileiros. Na ocasião, policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar milhares de jovens que participaram do encontro no centro comercial.
Nas últimas semanas, muitos shoppings conseguiram liminares na Justiça impedindo os rolezinhos (encontros de jovens, comumente oriundos de periferias dos grandes centros urbanos, marcados por redes sociais para "passear, conhecer gente nova e se divertir"), incluindo multa de até R$ 10 mil para os participantes. Outros centros comerciais decidiram fechar as portas nos dias em que os encontros estavam previstos.
Essa reação contra os rolezinhos foi considerada preconceituosa e racista por coletivos sociais, que organizaram protestos em solidariedade aos jovens do rolezinho. "Enquanto eles sonham com carros e roupas de marca na periferia, tudo bem. Mas, quando eles ousam frequentar os espaços considerados nobres, a sociedade reage com violência", defende Juninho, do Círculo Palmarino, movimento que participou de um protesto no Shopping JK Iguatemi, na zona leste de São Paulo, no sábado (18/01), ao qual a reportagem da DW Brasil compareceu.
"Começaram a abrir shoppings na periferia e depois não querem que os jovens frequentem? O dinheiro, então, não é igual?", questiona Douglas Belchior, da UNEAfro, coletivo que organizou a mesma manifestação.
Os membros do movimento questionam, por exemplo, a postura diferente para os rolezinhos e para o trote anual de alunos da Universidade de São Paulo no shopping Eldorado, na zona oeste da cidade. O encontro de universitários, segundo eles, não é contido nem pela polícia, nem pelo centro comercial.
"A repressão dos rolezinhos não é exceção, é a regra. É preconceito de classe e racismo institucionalizado", acredita Tomás Amorim, da UNEAfro.
Exclusão
Para Antônio Carlos Mazzeo, cientista político da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a reação aos rolezinhos contribuiu para acirrar os ânimos. "Isso expôs uma ferida social. Então os movimentos entraram em cena, especificamente os que lutam contra a exclusão e a discriminação, explica.
Segundo ele, os protestos têm relação com os de junho do ano passado, que começaram contra o aumento da tarifa do transporte e incluíram reivindicações pela saúde, educação e os gastos com a Copa do Mundo, considerados excessivos. Essas bandeiras foram retomadas em algumas das manifestações nas portas dos shoppings.
"Neste momento, a sociedade se rebela contra a exclusão em geral, seja ela racial e de classe, como no caso dos rolezinhos, seja exclusão da saúde, transporte e educação, equipamentos sociais básicos aos quais a população não tem acesso", afirma Mazzeo.
Shopping de luxo
No protesto no Shopping JK Iguatemi, um dos mais luxuosos de São Paulo, um grupo de cerca de 150 pessoas, munidos de faixas, tambores e bandeiras, tentaram entrar no centro comercial – mas, ao se aproximarem, o estabelecimento baixou as portas.
Pedro Augusto, de 32 anos, era um dos que acompanhava a manifestação, gritando palavras de ordem, como "vem pra rua, vem, contra o racismo!". Ele trabalha como motorista e não é vinculado a nenhuma organização. O motivo de comparecer ao evento é simples: "apoiar a causa". Pedro diz que sente a discriminação no cotidiano, "em um simples olhar".
Proibição
Enquanto isso, Maria Cândido, de 70 anos, esperava na porta do JK Iguatemi. Ela queria buscar um sapato dentro do shopping. Bem arrumada, observava o movimento dos manifestantes. Para ela, impedir os rolezinhos não é preconceito: "É uma bobagem isso. Desse jeito, quem vai deixar entrar? Se não atrapalhasse os outros, tudo bem, mas atrapalha."
Ela acredita que os jovens do rolezinho podem roubar os frequentadores dos centros comerciais. "Está certo proibir. É muita gente junta. Pode ser que alguns queiram só passear, mas eu acho que a maioria quer fazer arruaça", defende.
Público
A maioria dos manifestantes eram estudantes universitários. Apesar do nome, "rolê contra o racismo", o público e os objetivos eram bem diferentes dos rolezinhos "tradicionais", que nâo têm um propósito político.
Um dos participantes, Marcos Alexandre, de 28 anos, é jardineiro e morador da periferia de São Paulo. Ele tenta explicar a ausência de jovens do rolezinho no protesto na frente do shopping JK. "Eles estão totalmente voltados para o consumo. São a nova classe média e reproduzem todo este discurso. São um resultado dessa sociedade consumista", diz. Para ele, os jovens dos rolezinhos não questionam suas condições de vida: "Eles têm trabalhos precários, não têm acesso a educação ou saúde, mas querem consumir", constata.
Belchior, da UNEAfro, também lamenta a falta de jovens do rolezinho e diz que houve uma tentativa de se articular com o público que frequenta os encontros.
Duda Mel, de 22 anos, promoter de funk e organizador de rolezinhos, conta que movimentos sociais o procuraram para tentar uma aproximação. "Eu achei legal que eles estão fazendo esses protestos. Vamos conversar para fazer uns encontros juntos", garante.
Política
Para Belchior, o funk e os rolezinhos são manifestações políticas. "O funk, com seu conteúdo e sua estética, é uma afronta ao status quo. Eles não precisam levantar uma bandeira para que a ação seja política."
Segundo ele, o protesto era uma forma de cobrar do Estado um debate sobre o acesso à cidade e a espaços de lazer.
Shopping de periferia
Um dos outros protestos realizados em solidariedade aos jovens do rolezinho ocorreu na quinta-feira (16/01) em um shopping na periferia, o Campo Limpo, na região sul da cidade de São Paulo. O centro comercial já foi palco de rolezinhos e costuma ser frequentado por adolescentes que participam desse tipo de encontro.
A manifestação, à qual DW Brasil também compareceu, reuniu cerca de 500 pessoas e foi definida pelos organizadores como "um ato de desagravo pela maneira como a polícia e os shoppings e reagiram aos rolezinhos".
O protesto foi convocado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que também organizou um ato no shopping Jardim Sul, região sul da capital paulista, no mesmo dia. A maioria dos participantes era da ocupação Nova Palestina, no Jardim Ângela, bairro da mesma região.
"Estamos aqui para denunciar o muro social que define o que o rico pode fazer e o que pobre pode fazer", diz Natália Szermeta, 26 anos, da coordenação estadual do MTST.
Entre os manifestantes havia uma frequentadora de rolezinhos. Maria José, de 43 anos, acompanha a filha nos encontros dentro dos shoppings. “Passeamos e tomamos sorvete. Eu fico feliz por vê-la feliz”, contou.
Para ela, a proibição dos rolezinhos é absurda. "Só porque somos pobres e negros não podemos entrar [no shopping]?", questionou.